03/11/2005
Esta coluna foi escrita em 21 de janeiro de 2004, há praticamente 22 meses, e surpreende-me que, depois de todo este tempo, nada mudou neste cenário. Ao contrário, muitas coisas se acentuaram e outras passaram a ser encaradas como absolutamente normais, o que denota uma total pasmaceira do Estado e da sociedade. Portanto, o que segue está mais atual que nunca.
Ao ler um ensaio de Carlos Alberto Dória na revista Trópico, deparei com a citação de um trecho do livro A história crítica da teoria da mais-valia, de Karl Marx, que aproveito para transcrever:
O filósofo produz idéias; o poeta, versos; o pastor, sermões; o professor, manuais etc. O delinqüente produz delitos […] produz também um direito penal, produz o professor que dá cursos de direito penal e até o inevitável manual no qual o professor condensa as suas aulas com vistas ao comércio. A atuação do delinqüente se traduz, pois, no aumento da riqueza nacional […]. O delinqüente produz, além disso, toda a organização da polícia e da justiça penal, produz os agentes de polícia, os juízes, os jurados, os carrascos, etc. […]. O delinqüente produz uma impressão de caráter moral, e às vezes trágica, estimulando dessa forma a reação dos sentimentos morais e estéticos do público. Além dos manuais de direito penal, de códigos penais e de leis, produz arte, literatura, novelas e inclusive tragédias. O delinqüente introduz certa diversão na monotonia e na serena tranqüilidade da vida burguesa, defendendo-a contra o marasmo e provocando essa tensão inquieta, esse dinamismo do espírito sem o qual o próprio estímulo da concorrência acabaria por se embotar.
O ensaísta tratou com brilhantismo os temas moda, consumo, psicologia das massas e derivações. Neste caso, gostaria de tratar da maneira como os governantes se utilizam destes artifícios para fazer andar o nosso país, na maioria das vezes, para trás.
A delinqüência é exacerbada, mistificada e veiculada incessantemente, gerando uma legislação penal, criminal e trabalhista completamente ineficiente e lenta, com todas as suas necessidades inchadas.
Este raciocínio vale para as polícias, todas elas. Para as revistas e jornais. Para as televisões. Para os políticos. Construtores de presídios, empresas de segurança, blindagem, cercas elétricas, insufilm, administradoras. As coisas praticamente se interligam, formando uma interminável teia de produção e consumo, toda ela baseada na sensação de insegurança, medo e má informação.
A delinqüência é permanentemente adubada e mascarada, até se tornar parte integrante de nossas vidas. A diferença tem a ver com lado em que o cidadão está. Se for amigo do poder, não é delinqüente. É o velho e manjado “para os amigos tudo, para os inimigos, o rigor da lei”.
Com base nisso, vão por água abaixo todos os dogmas tão caros à sociedade moderna, os vícios de comportamento, os maniqueísmos, as posturas éticas, histórias fabricadas.
Não é aceitável que se continue a dizer que as coisas sempre foram assim e que é preciso aceitá-las; que a delinqüência vinda das camadas mais baixas da sociedade é responsável por tudo isso. Talvez a delinqüência vinda de cima possa explicar melhor.
A delinqüência existe em diversos graus. É importante entender o que de fato é prejudicial, o que é solucionável, e transformar nosso sistema de vida em algo mais justo e prazeroso. A PRIMEIRA COISA QUE O ESTADO DEVE FAZER É DEVOLVER NOSSOS DIREITOS.