Dando continuidade à nossa série de matérias sobre a história da Granja iniciada com a rua José Felix de Oliveira, vamos contar um pouco da história do Jardim da Glória através da rua principal que leva o nome de João Paulo Ablas.
Após várias pesquisas e buscas em arquivos, descobrimos uma matéria realizada em 1993 por Ângela Miranda para o Jornal D´aqui. Já que a matéria contempla o depoimento de vários moradores antigos que infelizmente já faleceram, resolvemos reproduzi-la, como segue abaixo:
Segundo Dona Catarina Lopes Ablas, já falecida, parte da história do que é hoje o Jardim da Glória, começa em fins do século XIX, quando seu pai, o fazendeiro João Paulo Ablas, comprou uma área de 54 alqueires na região denominada "Fazendinha".
Em 1924 deixou viúva dona Adozinda Lopes Ablas e sete filhos: João, Brasil, Henrique, República, Adozinda, Catarina e Tereza. Dona Adozinda assumiu o controle da fazenda para em seguida arrendar uma parte a famílias de japoneses e portugueses.
Na casa sede também funcionava a primeira escola rural da região, a "Escola Mixta da Fazendinha". Nela, dona República lecionava para os filhos de agricultores da região. Um de seus alunos, o Sr. Domingos Fontana, contou que chegou aqui aos 7 anos: "Meu pai veio de São Paulo fugindo da revolução de 1932, para trabalhar numa olaria perto do Moinho Velho. Eu andava 4km. para chegar na escola. Era uma vida boa, eu brincava com bolinhas de vidro com os filhos dos japoneses, trabalhava na olaria, arrancava batatas nas plantações e tomava banho de cachoeira ali no 26". Na escola ele conheceu dona Mafalda, com quem mais tarde se casou.
 A antiga casa-sede |
Nesta época a Raposo era de terra e de Pinheiros para cá, havia apenas três ônibus por dia. "As pessoas não iam para São Paulo. Comia-se o que se plantava, matava-se porco e o pão era feito em casa", nos conta seu Domingos.
Em 1938, com a morte de dona Adozinda, a fazenda foi dividida em sete partes: aos filhos homens couberam os lotes da frente, menores e de maior valor, e os de trás para as mulheres, maiores e de menor valor.
Em 1958, Manuel Leal Guimarães comprou de seu primo uma área de 2 alqueires pertencentes à Granja Poti, vizinha da propriedade dos Ablas. Formou uma chácara de lazer onde criava algumas vacas. A casa-sede, construída em 1938, tinha na sua frente palmeiras imperiais, que foram derrubadas posteriormente com a duplicação da Raposo.
Hoje ela é habitada por Roberto Guimarães, filho do antigo proprietário. Ele nos contou que o seu pai foi a primeira pessoa a acreditar no comércio da região: "Ele construiu, na entrada do Jardim da Glória, um armazém, uma padaria e cinco lojinhas e em uma delas montou uma leiteria".
Por volta de 1962, o filho João Paulo loteou o "Jardim da Glória" com a parte das terras que lhe coube. Doou cerca de 43% para áreas verdes, formando grandes bolsões, enquanto a legislação exige 30%. Muitos dos antigos arrendatários compraram lotes.
Um dos episódios interessantes da época foi quando a Eletropaulo (então Light) tentou instalar ali suas torres de transmissão, e para isso precisaria derrubar uma fileira de pinheiros. Os proprietários se revoltaram e muitas mulheres deitaram-se sob as árvores, impedindo assim seu corte. Os pinheiros estão lá até hoje e a Eletropaulo precisou aumentar a altura das torres. Essa preocupação com o verde, felizmente, persiste até hoje através de sua SAB (Sociedade Amigos de Bairro).
Outro episódio curioso aconteceu quando o Prefeito Ivo autorizou que a entrada da fábrica da Levi´s fosse por dentro do condomínio "eu chamei o seu João Ablas, que veio de São Paulo, para impedir que as máquinas avançassem. Quando o prefeito chegou, foi recebido à bala e isso resultou num processo de anos contra seu João", conta Felício.
Antonio Serrano arrendava, então, cerca de 1 alqueire de João Ablas, dentro do condomínio. Mais tarde, sua filha Lourdes e seu marido Pedro Mônaco foram importantes na formação do comércio. "Nós íamos para São Paulo e trazíamos o que os moradores pediam. O Pedro foi o nosso primeiro "jornaleiro": ele comprava os jornais em São Paulo e entregava aqui" nos contou dona Lourdes, orgulhosa.
Em 1962 chegaram os artistas Shoko e Yukio Suzuki. Quando procuravam um lugar tranqüilo e afastado para montar o atelier, ficaram apaixonados pelo lugar: "a Raposo era linda! De São Paulo até aqui, com suas paineiras plantadas dos dois lados". Compraram um lote de Henrique Ablas, na Estrada da Servidão (hoje Avenida João Paulo Ablas). Eles contam que a casa não tinha muro, somente uma cerquinha branca de madeira na frente. "A rua era de terra e a gente emprestava pás para desatolarem os caminhões quando chovia". Shoko, ceramista reconhecida internacionalmente, tinha por hábito trabalhar até tarde em seu atelier. Quando ela via as luzes das casinhas da olaria (hoje Passárgada) acenderem e ouvia na chácara ao lado, os caminhões embarcarem as verduras para a feira, sabia que era hora de dormir. Eram 3 horas da manhã! "Havia poucas casas, bem distantes umas das outras, mas a solidariedade era muito grande!". "De 72 para cá, a Granja cresceu muito. Hoje quando ando no centrinho aos sábados, me sinto como se estivesse em Copacabana".
Outro morador antigo é Patrício Lopez Fernandez que veio com os pais e irmãos nos idos de 1962. Trabalhava na entrega de madeira às padarias. Estudou no Colégio Rotary: "Era uma escola muito boa, almoçávamos lá e quando nos matriculávamos, recebíamos um tecido para fazer o uniforme. Era tudo muito organizado..." Patrício também ressaltou que deveríamos dar atenção aos reais antigos moradores: "Muitos se dizem granjeiros antigos e estão aqui há 2, 3, 4 anos. Os que estão aqui há 20, 30 anos merecem destaque especial".
O Jardim da Glória mudou, mas as lembranças do passado estão ainda bem vivas. Um grande comércio, nascido das primeiras lojinhas e armazéns, funciona a todo vapor.
Dona Catarina Lopes Ablas montou um orfanato na Rua Tomas Sepé.
Enfim, aos que moram, a comunidade deseja sucesso. Aos que estão chegando, recebam as boas vindas.
Fonte:Angela Miranda/Jornal D"aqui
Fotos: Arquivo Jornal D"aqui