01/07/2013
Depois dos condomínios de pequenas casas e dos prédios comerciais, a Granja Viana começa a viver uma terceira fase na sua mudança de identidade: a verticalização residencial.
Os edifícios passam a ganhar espaço mesmo antes da revisão do plano diretor. Um dos principais temores da população é que, com a revisão do plano, as torres altas sejam aprovadas. O que se faz, por enquanto, é aproveitar as brechas da lei. Entre os exemplos está o condomínio em construção na Estrada da Aldeia, cuja metade dos apartamentos ficará abaixo do nível da rua. Ou o prédio comercial no cruzamento da São Camilo com a ponte sobre a Raposo, no km 23. “Tentaram impedir alegando que a construção em topo de morro seria irregular, mas uma diferença de 200 metros do ponto exato do topo do morro até o prédio fez com que a obra fosse aprovada, também com mais andares para baixo do que para cima”, explica o arquiteto granjeiro Roberto Pompéia, com quem o Site da Granja conversou para entender melhor essa questão.
Nos limites
Outros casos que vêm tirando o sono dos moradores são alguns edifícios residenciais. O “Harmonia”, no km 20 sentido capital, cujas torres estão no limite dos municípios de Osasco e Cotia. Já o “Villas da Granja”, que promete mais de 400 apartamentos de menos de 50 metros quadrados cada, fica em Carapicuíba, entre o condomínio Granja Velha e o Parque da Aldeia. Em Carapicuíba não há restrição de altura das edificações como em Cotia. Mais recentemente, foi anunciado na São Camilo, ao lado do Pão de Açúcar, um flat com quase 130 unidades. A profundidade do terreno deve abrigar todos os apartamentos mantendo a altura do prédio dentro da lei.
Indignado como tantos outros moradores, Pompéia vem lutando há anos pela preservação das características originais da nossa região. Seja por questões ambientais quanto pela própria identidade local.
“Tantos edifícios formam uma faca de dois gumes. Se, por um lado, locais com densidade demográfica baixa não atraem infraestrutura, por outro, quanto mais pessoas, mais serviços, pelo menos teoricamente. Uma quantidade maior de moradores deveria trazer mais pontos de ônibus, coleta de lixo mais eficaz etc”, avalia Pompéia. “Só que temos histórico de colonização predatória em um país ainda alienado em diversos aspectos. Diante disso, a lógica densidade demográfica X infraestrutura nem sempre acontece”.
Além da conscientização, o arquiteto lembra da fragilidade da nossa Justiça. “É muito fácil contornar as leis brasileiras. O poder público cede à pressão do poder privado. As mudanças acontecem sem planejamento, trazendo caos ao ambiente. Quando se tem uma vida rural ou próxima dela, é possível viver com menos infraestrutura. Isso por que o modo de vida implica em outros hábitos, como em relação ao descarte do lixo. Já quando o modo de vida é urbano, as pessoas não cuidam do próprio lixo, entre outros hábitos que prescindem de uma forte infraestrutura suportando esse adensamento. Quando isso não acontece, as condições de habitabilidade vão se perdendo”, analisa o arquiteto.
Até há algum tempo a rua era o elemento agregador das pessoas. Por isso, cuidava-se dela. As pessoas colocavam cadeiras na calçada, as crianças brincavam na rua. Era uma extensão da casa. “Hoje ela é um local de passagem, o que ajuda a promover o vandalismo urbano e não desperta a atenção do poder público. Pouca gente conhece realmente onde mora. Não sabe da história, não presta atenção na paisagem, não conhece os vizinhos. Como então valorizar seu bairro? Vivemos em uma cultura em que se joga dejetos na água que se bebe. Para nossa região, na qual ainda o sistema de esgoto é parcial, esse conceito se encaixa bem. O custo social da expansão está ficando altíssimo”, afirma o especialista.
"Essa mudança de vocação da Granja sem qualquer tipo de planejamento influencia desde a qualidade de vida de quem mora no local até a de quem passa. A Granja até que resistiu durante muito tempo, mas já não aguenta mais. Está explodindo do ponto de vista demográfico, atraindo vários tipos de público, o que leva à perda de sua identidade original pois os granjeiros originais ou já morreram ou ficaram velhos”, lembra.
Futuro Alphaville?
Há quem tema que a Granja tenha em um futuro próximo o mesmo destino de Alphaville, hoje um grande centro empresarial com casas cercadas de prédios por todos os lados. Pompéia acredita que não. Para ele a Granja vai ficar pior. “Alphaville foi pensado para crescer; foi programado para um forte adensamento populacional. Um exemplo disso é que, mesmo na época em que era apenas um conjunto de loteamentos residenciais, Alphaville já tinha ruas e avenidas largas, para um fluxo de veículos muito maior do que havia na época. Já na Granja é o contrário. Fala-se em alargamento da José Félix de Oliveira desde os anos 1980, bem como da São Camilo.
“As construções foram avançando e a rua ficou do mesmo jeito. Agora, se a prefeitura quiser desapropriar para alargar vai gastar uma fortuna, pois tudo já está ocupado e densamente construído. É bem diferente querer desapropriar dois metros do jardim de uma casa do que dois metros de um edifício construído. Além disso, tem a questão da água e da luz que sempre faltam na região, do sistema de esgoto praticamente inexistente, da poluição da água, do assoreamento dos rios com a destruição das margens para dar mais espaço para ocupação” enfatiza o arquiteto.
O lado otimista dessa discussão – pelo menos deveria ser – é que a vinda dos prédios comerciais deveria atrair os profissionais granjeiros para trabalhar por aqui. Se o propósito é esse, seriam necessários incentivos a se andar de bicicleta e a pé (onde?, nessas ruas tão estreitas e sem calçadas?). “Se a ideia é fazer a Granja crescer, que isso seja feito de maneira correta. Afinal, o que é mal feito não tem futuro. O que é bem feito não tem fronteira”, analisa o arquiteto.
Para ele, “Se há uma proposta de criar uma centralidade, que ela possa ser tão bem planejada que até sirva de exemplo para outras localidades. Daqui a pouco a Granja não vai mais se diferenciar das outras periferias de São Paulo, pois seu grande apelo, que é a qualidade de vida, está acabando”, conclui Pompéia
O que fazer então? Cobrar cada vez mais do poder público, participar de atos de cidadania, questionar, estar atento e participar da vida pública do município.