03/11/2025
Mauricio Orth
Houve uma autorização emitida pela prefeitura que não foi seguida integralmente e não se sabe se ela foi fundamentada por laudo ambiental obrigatório.
A cena foi registrada pelo granjeiro, fotógrafo e documentarista Eduardo Quintino, que quase foi atingido: “Quando olhei pelo retrovisor, vi pedaços da árvore ainda se movendo. Parei e percebi que uma araucária havia caído parcialmente no meu carro e bem no meio da avenida. Por um ou dois segundos, eu teria sido atingido”, contou ao Site da Granja.
Poucos minutos depois, o caos tomou conta da região. Cabos energizados se romperam, a avenida foi interditada e o reflexo se espalhou pela Raposo Tavares, travando o tráfego até o início da noite. Um episódio que, embora pareça pontual, é sintoma de algo maior, mais profundo.
A floresta cercada
A Granja Viana, conhecida por seu verde exuberante, faz parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, reconhecida pela UNESCO e vive um processo silencioso de perda de cobertura vegetal.
Nos últimos meses, moradores têm denunciado podas drásticas e cortes de árvores saudáveis, em ruas e terrenos que antes abrigavam sombra e biodiversidade. Espécies protegidas, como a Araucaria angustifolia, um dos símbolos da Mata Atlântica e ameaçada de extinção, vêm sendo removidas sob diferentes justificativas.
Em junho, este local já havia sido palco de queda de árvores. Vídeos enviados por leitores mostravam macaquinhos se escondendo em garagens após o barulho de motosserras em um terreno na mesma avenida — um retrato simbólico da desordem ecológica que se instalou no bairro.
Diante da escalada dos cortes, moradores lançaram um abaixo-assinado online pedindo a suspensão imediata das autorizações de poda e supressão.
“Cada árvore que cai representa mais calor, mais enchente, mais desequilíbrio — e menos vida”, afirma o manifesto.
O caso da araucária
A Prefeitura de Cotia, por meio da Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Agropecuária, confirmou que a supressão da árvore foi autorizada por motivos de segurança pública. Segundo nota oficial, a base da araucária apresentava comprometimento estrutural, representando risco de queda.
“A decisão foi fundamentada tecnicamente e amparada legalmente, priorizando-se a preservação da vida humana”, informou o órgão.
O secretário Paulo de Jesus Cordeiro reconheceu, no entanto, que há casos de má-fé e uso indevido de autorizações:
“Eles pedem para tirar duas árvores problemáticas e acabam removendo mais, o que caracteriza má-fé. Já acionamos a Polícia Ambiental e a Defesa Civil para apurar o caso”, declarou em redes sociais.
Apesar da autorização formal, o corte da araucária não seguiu os protocolos de segurança — e acabou provocando um colapso viário e energético que poderia ter sido evitado. A autorização de supressão determinava contato prévio com a concessionária de energia elétrica — o que não ocorreu. Também exigia a colocação de placa visível com número de processo e autorização, justamente para possibilitar transparência e controle social, o que também não aconteceu.
O que diz a lei
O corte de araucárias é rigidamente controlado pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº 11.428/2006). A norma permite a remoção apenas com autorização prévia e laudo técnico comprovando risco à segurança pública. Entre 15 de abril e 30 de junho, o corte é ainda mais restrito, já que a espécie entra em período de reprodução (com pinhas).
Autonomia
Em outubro deste ano, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA) publicou no Diário Oficial do Estado a relação de municípios considerados aptos a exercer licenciamento ambiental de alto impacto local — e Cotia figura entre eles. Essa habilitação confere ao município autonomia administrativa para autorizar supressões de vegetação e manejo arbóreo, desde que respeitadas as normas federais e estaduais.
Autonomia com responsabilidade
No entanto, nenhum município pode autorizar o corte de araucárias — ou de qualquer espécie nativa protegida — sem laudo técnico prévio que justifique a necessidade da intervenção.
A norma federal é clara: o corte só é permitido em caráter excepcional, em casos de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, sempre mediante autorização do órgão competente e com comprovação técnica do risco ou da inviabilidade de alternativas. Como explica a legislação, a autonomia municipal não permite flexibilizar ou ignorar regras de proteção nacional. A araucária é um patrimônio natural da Mata Atlântica e, portanto, sua proteção é de interesse comum a todos os entes federativos. Sem o devido laudo, qualquer corte configura crime ambiental, passível de multas, sanções administrativas e responsabilização penal, conforme a Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais).
Mas o que deve conter um laudo técnico ambiental?
Um laudo técnico ambiental de supressão arbórea deve ser feito por profissional habilitado (pessoas formadas em engenharia florestal, biologia ou agronomia). Ela deve conter a Identificação da espécie, sua localização georreferenciada e a descrição do porte e das dimensões (altura, diâmetro, copa). Depois, vem a caracterização do entorno (proximidade de edificações, rede elétrica, calçadas, APPs);
A Avaliação fitossanitária (condição de saúde, presença de fungos, cupins, rachaduras ou inclinação) é ponto importante para se chegar na Análise de risco (probabilidade de queda e danos potenciais);
A Conclusão técnica então fica fundamentada, indicando se há ou não necessidade de supressão e quais medidas alternativas podem ser adotadas (poda, tutoramento ou tratamento fitossanitário). Quando o corte for inevitável, devem constar recomendações de compensação ambiental (replantio, doação de mudas, recuperação de área degradada). Ao final, é indispensável a assinatura da pessoa responsável, com número de ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) devidamente reconhecida.
Sem esses elementos, o processo de autorização é incompleto e ilegal.
No caso da araucária da Avenida São Camilo, até o momento, não há divulgação pública do laudo técnico que teria embasado a autorização de supressão, o que levanta dúvidas sobre a regularidade do procedimento.
Entre o silêncio e o barulho
O evento é o retrato de uma região que precisa decidir o que quer ser: um espaço de concreto e pressa, ou um território que reconhece seu patrimônio natural como parte essencial da vida urbana. Qual você escolhe?
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