13/10/2025
Mauricio Orth
Carapicuíba está vivendo uma crise ambiental que mexe com moradores e especialistas: a última grande floresta do município, parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica reconhecida pela UNESCO e com 200 mil metros quadrados (uma área maior que o Parque do Ibirapuera) está sendo atacada. O loteamento ”Portal da Fazendinha”, da empresa JSZ Engenharia e Empreendimentos, pretende desmatar cerca de 47 mil m² de vegetação nativa em regeneração.
O problema não para nas árvores cortadas. Segundo os moradores, a região foi cercada com telas plásticas, bloqueando o caminho de animais silvestres. Resultado: animais que compõem a fauna local estão sendo vistos, desorientados, em áreas urbanas próximas, famintos e expostos a atropelamentos. Nos últimos dias, moradores flagraram um cachorro-do-mato correndo perdido pelas ruas, aves com cantos alterados e quatis invadindo quintais em busca de alimento.
Um relatório técnico encomendado pela associação de moradores identificou 131 espécies vivendo na área, entre elas onça-parda, jaguatirica, veado-mateiro, capivara, quatis e tucanos, comprovando a relevância ecológica do fragmento, que também abriga nove nascentes que alimentam o Rio Cotia.
Histórico
Segundo relatório da própria CETESB de junho de 2022 , “verifica-se que o loteamento em questão foi por nós aprovado em dez/1976 e pela prefeitura de Carapicuíba em jan/1977. Em imagem aérea apresentada em 1981, houve a supressão integral da vegetação existente e a abertura do viário. Em inspeção realizada em 12/04/2022 verificou-se que houve a abertura e pavimentação do viário com implantação de guias e sarjetas. Em face da falta de manutenção houve a regeneração natural da vegetação nos lotes e sobre o viário, pavimentado à época da implantação do empreendimento.”
Eis uma das questões: São 46 anos, quase meio século, entre a aprovação e seu relatório para a retomada das obras. Muita coisa mudou: A Floresta se regenerou e as leis ambientais mudaram.
Legalidade questionada
Segundo os moradores, agora pela Lei da Mata Atlântica de 2006 e normas do IBAMA, a supressão de floresta só pode ser autorizada em condições especiais e com anuência federal. No caso do loteamento, a liberação foi feita apenas pela CETESB, sem participação do órgão federal.
Justiça suspende desmatamento
Chamado pelos moradores, o Instituto Nina Rosa resolveu intervir e ele o fez com (muito) sucesso: em 13/10 foi publicado no Diário Oficial a decisão sobre a Ação Civil Pública contra as construtoras Moisés Nigri Ltda. e JSZ Engenharia, além da CETESB, SEMIL (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) e o Município de Carapicuíba.
O juiz Gustavo Kaedei, da Vara de Carapicuíba, determinou a suspensão imediata das obras do empreendimento, após constatar fortes indícios de desmatamento irregular em área de Mata Atlântica. Segundo a ação, as empresas vinham derrubando vegetação nativa em ritmo acelerado, sem plano de manejo nem resgate adequado da fauna.
O juiz reconheceu que apesar de ter tido um licenciamento antigo a área se regenerou naturalmente ao longo das décadas, o que o enquadra nas regras atuais de proteção da Lei da Mata Atlântica. Para ele, há “fortes indícios de ilegalidade” na autorização concedida pela CETESB, que liberou a supressão de vegetação de forma genérica, contrariando parecer técnico da própria agência.
A decisão cita também fuga de animais e risco às nascentes, além da falta de fiscalização dos órgãos públicos. Diante disso, o magistrado determinou o embargo total da obra e mandou suspender todas as licenças e autorizações que violem a legislação ambiental, além de ordenar uma vistoria com técnicos da CETESB, SEMIL e SABESP para mapear as áreas já desmatadas e avaliar os danos.
Sobre o direitos dos animais silvestres
Essa decisão ganhou destaque não só pela proteção da Mata Atlântica, mas também por um ponto extremamente importante: o reconhecimento dos animais silvestres como vítimas diretas da destruição ambiental.
Em sua sentença, Kaedei afirmou que a supressão de vegetação sem plano de manejo e resgate de fauna “configura prática de crueldade contra os animais”, o que é proibido pela Constituição Federal.
A decisão repercute por trazer uma abordagem historicamente reparadora: o juiz tratou os animais silvestres como seres capazes de sentir dor e merecedores de proteção direta, e não apenas como parte do meio ambiente.
Essa visão, chamada biocêntrica, coloca a vida — humana ou não — no centro do direito ambiental. O magistrado apontou três pilares que tornam o caso singular: o reconhecimento do “novo fato ecológico” (a regeneração natural da floresta), a omissão dos órgãos públicos na fiscalização e o reconhecimento da fauna como vítima direta da ilegalidade.
A decisão é considerada um avanço simbólico e jurídico, pois abre caminho para que entidades de proteção animal atuem mais ativamente em disputas ambientais complexas.
“A decisão representa um marco histórico na proteção dos direitos da natureza e dos animais. Ao reconhecer que a área regenerada da Mata Atlântica merece tutela integral, o Judiciário reafirma que o desenvolvimento econômico não pode se sobrepor ao equilíbrio ecológico e ao respeito à vida. Trata-se de um ganho coletivo, que beneficia toda a sociedade, mas para além disso chancela que os animais e o meio ambiente têm direitos assegurados pelo ordenamento jurídico.” - ressaltou a advogada Cícera de Fátima Silva, que representa o Instituto Nina Rosa, autor da ação.
Sobre uma ambientalista “Faunóloga”
Jane Goodall revolucionou o estudo da fauna ao dedicar sua vida aos chimpanzés selvagens. Seu trabalho foi fundamental para a ética na ciência e para a conservação, transformando-se em ativismo para proteger os primatas e seus habitats da extinção. Em outubro de 2025, a Netflix lançou o documentário “Dra. Jane Goodall: Últimas Palavras”, uma emocionante despedida. O filme chegou pouco depois de sua morte, em 1º de outubro, aos 91 anos.
Na entrevista que encerra o documentário, Jane deixa um recado de esperança e responsabilidade:
“Acima de tudo, quero que pense no fato de que somos parte da Mãe Natureza. Dependemos dela para ar puro, água, comida, roupas, para tudo. E à medida que destruímos um ecossistema após o outro, à medida que criamos mudanças climáticas, perda de diversidade, temos que fazer tudo ao nosso alcance para tornar o mundo um lugar melhor para as crianças vivas hoje e para as que virão. Então, você tem o poder de fazer a diferença. Não desista. Há um futuro para você.”
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