12/05/2025
Mauricio Orth
Roberto Alves Sales, mais conhecido como Sales, é professor há mais de 40 anos e já foi diretor do colégio Rio Branco. Advogado, também é pós-graduado em matemática aplicada às tecnologias e pedagogia com administração escolar. Veja aqui como foi a conversa:
Site da Granja (SG): Como foi esse chamado com o Formiga? E como o senhor acabou virando o Secretário da Fazenda e Planejamento?
Sales (S): Em 2019 eu fui convidado para coordenar a campanha dele. Eu nunca tinha trabalhado na política. Naquele ano ele teve quase 52 mil votos, muito bom. Eu escrevi todo o plano de governo dele, né? A amizade e o trabalho continuaram. Em 2022, como deputado estadual, de novo, acompanhei toda a campanha. Em 2024, novamente. Então eu vim fazer a parte estratégica para ele. Que é fazer esse desenho mais vinculado a estatísticas, a projeções, né? Quando terminou, ele me convidou para ser Secretário da Fazenda.
SG: Se fosse em dois turnos aqui, ele levaria no primeiro... depois da vitória, você enfrentou a dura realidade. Podemos dizer assim?
S: Quase: antes de tomar posse, quando a eleição terminou, ele falou, “Sales, eu quero que você faça a transição.” Aí eu fui fazer, no final de 2024. Eu percorri todas as Secretarias, fui fazendo o levantamento de todos os buracos para ele. Eu tive a felicidade de ter um primeiro contato com uma pessoa da Fazenda. Ela me alertou para a questão dos restos a pagar, na ordem de 137,140 milhões, alguma coisa assim. Isso me ajudou muito, porque não parecia. Aliás, eu não posso nem falar só de mim, porque fui eu, a Thamires (Thamires Vieira, hoje adjunta da Saúde) e o Edgar (Edgar de Souza, na Secretaria de Governo). Depois, ele falou para mim da Fazenda. Eu fiz só um pedido para ele: que eu tinha que trazer a minha equipe. Mas eu identifiquei aqui pessoas técnicas, pessoas sérias e técnicas. Muito dedicadas. Então, eu não troquei a equipe. Tenho uma equipe muito boa na Fazenda. Aí sim, eu levei uma informação para ele. Falei: existe uma falha grande, que é a questão de não ter uma Secretaria de Planejamento. Daí, ele sorriu. No dia seguinte, ele deu o nome: Fazenda e Planejamento.
SG: Pois é, depois eu ia chegar exatamente nesse ponto... Em seus discursos iniciais, Formiga sempre falava de receita, das dívidas, das porcentagens que você tem que distribuir por lei para Saúde e Educação. Portanto, do pouco espaço que ele tem. Ou quase nenhum. Para poder fazer alguma coisa, de fato. Como que o senhor vê isso?
S: Essa conversa eu já o prevenia. “De tudo que você pretende fazer, acredito que você consiga cumprir uma porcentagem disso. Mas eu tenho uma notícia não muito boa para você. Na prática, no dia a dia, a gente vai ter muita dificuldade.” Pelos indicadores que a gente já tinha e, principalmente, com os números que vieram, o caminho aqui começa com corte. É horrível isso. Desculpa, eu vou falar para você. Aqui embaixo está tendo agora um evento. Se a gente for assumir a realidade, não podia nem ter o café. Porque no clipe você economiza. Apertar o cinto mesmo. A maioria dos secretários ainda não tem essa mentalidade. Formiga é uma pessoa com um coração imenso. É uma pessoa que está muito preocupada com a educação. Com a saúde. Mas eu falei para ele. É a médio prazo. Não espere um resultado a curto prazo. Às vezes ele fica meio contrariado. Ele tem um sonho do Poupatempo da Saúde. Ele quer a tarifa zero. Isso é de coração. Mas eu trago os números. Infelizmente eu faço a parte chata. A triste notícia da realidade. A gente tem que gastar com muita sabedoria.
SG: Entendi. A gente vê no discurso dele uma coisa um pouco diferente disso. Ele se esforça em manter uma certa normalidade. Que a coisa está bem. Mas talvez não faltaria um pouco mais....
S: Desse tom de austeridade no discurso dele?
SG: Sim
S: Recentemente ele conseguiu entregar os uniformes, uma conquista. Coisas que na outra gestão demorava. Alguns anos nem foram entregues. (Os alunos da rede municipal de Cotia estão sem receber uniformes escolares desde 2021). Ele traz essa fala de otimismo para a população. Eu acho que é muito boa. Que é o papel dele, inclusive. Eu sempre brinquei com ele, desde a transição. Pensa numa girafa. Ele é a cabeça e eu sou o pé. Ele está lá em cima. Ele pode sonhar. E eu vou falar para ele onde ele vai colocar o pé.
SG: “Tem pedra aqui, está meio pantanoso ali...”
S: Isso.. a gente tem questões seríssimas ainda. Com a questão de tributação mesmo. De imposto. De tecnologia que a gente está corrigindo. E é processual, acredite. Não é uma coisa que você fale “vamos tomar uma decisão hoje e está resolvido amanhã”. Tudo Isso leva um certo tempo. Acho que a prefeitura no passado ficou um pouquinho para trás nessa parte de tecnologia. Em relação à apuração, controle de receita. Se você não tiver um sistema muito bom, você acaba renunciando a um monte de receita.
SG: Então, agora vamos voltar para a questão do planejamento. Quando o senhor levantou a falta, esperava pegar essa pasta também para si?
S: Não. Quando eu falei, eu nem sabia ainda que eu estaria na Fazenda... O que eu percebi no trabalho da transição é que uma secretaria desconhecia o que a outra fazia. E algumas faziam a mesma coisa. Então percebi o que faltava ali. O planejamento. Aí ele me deu essa abertura. Vieram cinco profissionais. Um da área de administração, outro da área de TI, dois contadores e uma outra pessoa da área de administração. Então essa equipe é a equipe do planejamento.
SG: O cotiano é um bom pagador? Como você vê as receitas?
S: O cotiano é um bom pagador. O que a gente tem, e isso o Formiga já falava, foi um crescimento desorganizado. Muitos loteamentos clandestinos e tal. E eu acho que chegamos num momento de legalizar isso. É bom para quem tem a posse, dar a propriedade para essas pessoas. Mas tem muitas áreas ainda que não estão bem mapeadas, que poderiam gerar impostos para a cidade.
SG: Esse crescimento desordenado que você diz criou uma certa informalidade?
S: Informalidade, é. Você pegar ali o Jardim do Engenho, dando um exemplo, tem algumas áreas que foram tomadas. Certamente as pessoas não têm a propriedade, não têm planta. E portanto não pagam impostos. E isso gera um déficit para a cidade. Ao mesmo tempo a pessoa tem a posse, não tem a propriedade. Ela não consegue vender, ela não consegue melhorias. Então a gente está no momento de fazer esse mapeamento e entender bem como isso está. A quantidade de casas que tem na cidade, os loteamentos.
SG: Parece que Cotia tem um bom sistema de monitoramento, de mapeamento.
S: Está tendo agora uma palestra aqui agora falando sobre isso. Trouxemos todas as Secretarias para ter essa dimensão. Fazer esse mapeamento, entender melhor Caucaia... A gente tem que estudar Caucaia. É rural, é urbano... . De repente está registrado como rural, mas não produz como rural, então não é rural, é urbano. Então, entender para não causar injustiças no futuro.
SG: Nesse sentido vem a questão do zoneamento contida no plano diretor. Vai para lá, volta, vale 2022 ou volta, isso vai criar uma série de incertezas...
S: Então, essa é outra herança que nós recebemos. Ela não está resolvida até o momento, isso traz uma grande insegurança a todo mundo. A gente está procurando algo que seja o melhor caminho. O que eu preciso? De gente que vem empreender na cidade. Se você tivesse um volume de dinheiro para empreender, você viria para cá agora? Nessa condição que está, fica bem complicado. Muitos riscos.
SG: Com essa incerteza, me conta como é que funciona o planejamento?
S: Um exemplo: O planejamento diz o seguinte, o teatro é uma realidade, falta ainda X para terminar, e a gente não tem essa verba hoje. O planejamento diz que o teatro vai abrir só em setembro. Então a gente tem que segurar um pouco, aguardar um pouco a entrada de verba, ouvir o melhor momento, estou dando só um exemplo.
SG: Tem uma pergunta também que a gente faz para todo mundo, para todos os secretários, se o senhor tivesse uma canetada só, o que o senhor pensaria, o que é mais do que prioritário? Para tentar uma síntese do seu querer.
S: O meu querer é acessibilidade em todas as escolas. Quando eu olho para as escolas de Cotia, eu acho que nós paramos no tempo, e se a gente não resolver isso com muita urgência, nós vamos pagar o preço disso. Hoje o Ministério Público cobra, e das 105 escolas, eu acho que 80% não está preparada para isso. Algumas escolas com fossas ainda... Eu falo todo dia isso para ele. Eu acho que esse investimento é importante hoje, porque se a gente não fizer hoje de uma forma pacífica, no futuro a gente vai ter que fazer de uma outra forma que é pior, no meio de multas e tudo mais. Vai ficar mais caro, menos confortável.