27/06/2025
Mauricio Orth
Uma compradora fez este relato:
“Faz dois anos que eu comprei esse terreno. E eu sempre perguntei para o corretor se eu podia construir, ele disse que eu podia. Teve uma hora que fechou lá o terreno, não deixaram construir mais. Aí demorou uns dois, três meses, aí tiraram os tubos lá da frente. Disseram que podia construir de novo.
Na quarta-feira passada (18/06), meu marido me mandou uma mensagem que estavam colocando poste. Cheguei lá, eles estavam já para derrubar as casas.
Aí eu falei assim, eu quero o mandato que vocês têm, né sei lá, qualquer documento! Nem responderam, me deixaram no vácuo, não falaram nada. Só falavam assim, vocês construíram no lugar errado.
Eu fui na delegacia fazer um BO. Falaram pra mim que eu não podia porque não tinha crime. Eu falei, não tem crime? Eu comecei a chorar lá.. E eles dando risada. Falavam que o corretor era estelionatário, que eu tinha comprado o terreno, tinha levado um golpe, e tudo isso, sabe?
Eu queria a verdade, alguém que ajudasse. Eu não invadi nada, eu estou pagando. Eu tenho como provar. Eu já mandei mensagem para vereadores, já marquei o Formiga, ninguém da prefeitura procurou a gente. Ninguém quer ajudar, sabe?
Ontem eu conheci o dono, já é um senhorzinho de idade, só ele e a esposa dele. Ele não pode se locomover. Ele falou assim que ia vender, então, pra ressarcir o prejuízo. Olha o pensamento do velhinho, só porque tem alguém querendo atrapalhar da gente poder morar lá em paz, sabe?
Na verdade, tem uma denúncia mesmo. E por isso que tem esse processo aí. O problema é... como é que fala? A denúncia que tem no Ministério Público.. "
O Site da Granja conversou ontem (26/06) com o corretor:
“Boa tarde, tô chegando aqui no foro agora. É, estamos aqui, vamos falar com a juíza (Renata Meirelles Pedreno é a juíza da 1ª Vara Cível do Foro da Comarca de Cotia) aqui do foro, né, porque não teve mandato. Então a gente não teve esse acesso ao boletim ainda. Acho que entre hoje e amanhã eles são obrigados a fornecer o boletim para ver de onde que vem essa ordem.
Todo mundo sabe que lá foi uma grande injustiça e ato de perseguição. Sou formado em Direito, também pós-graduação em Direito Ambiental. Nossos advogados são técnicos nessa área ambiental e ramo imobiliário. O que aconteceu lá foi uma falta de caráter, uma falta de justiça total, de consideração pelo próximo, pelo ser humano. 80 famílias lá, 15 casas destruídas, documento tudo certo, parcelamento irregular de solo, ou coisa do tipo, alguma coisa ambiental próximo da área. É normal aqui em Cotia, 90% é assim. Mas não teve uma árvore caída, não teve uma máquina. Tivemos reunião com o vice-prefeito, tivemos reunião com vários órgãos aqui. Todo mundo tá tirando fora agora. A gestão passada estava regularizando. Aí veio uma outra turma de fora e fizeram o que fizeram. Infelizmente. Baita de uma covardia. Mas tudo bem.
Conheci o proprietário e a esposa em 2019. Ele sofreu um acidente na roça, fraturou a coluna, e aí ele precisava fazer uma cirurgia urgente, que custava em torno de 400 mil reais. E na época da pandemia e tudo mais, todo mundo se comoveu. Eu fui uma das pessoas que levei fralda, medicamentos, pomada, todo mundo se mobilizou para poder ajudar ele. 75 anos, cadeira de roda.
O Estado recusou de fazer a cirurgia pelo SUS, aí a gente foi recorrer o particular. E aí foi a hora que a gente decidiu de vender os terrenos. Ele já estava vendendo alguns para poder se manter, que ele já estava com dificuldade na roça por causa da dívida e da idade. Tinha vendido pouco, uns dois, três lotes. E aí, depois disso aí, ele resolveu vender os lotes lá em cima, na roça dele, onde tinha a plantação de alface. Essas vendas começaram em 2023, para poder juntar esse dinheiro e poder fazer a cirurgia.
Mas, com toda a demora, já não era mais viável fazer a cirurgia nele, que corria risco de vida. E aí, gerou esse transtorno que aconteceu agora, no final da vida, e estamos tentando ajudar ele. Ele também é alvo de perseguição, que vizinhos ali queriam comprar a área dele, de graça, na verdade, tomar a área dele. E, como ele está nessa situação aí, não pode nem se defender, tá bom? Foi isso que aconteceu. "
O Site da Granja pesquisou no Ministério Público:
O Ministério Público de Cotia instaurou Inquérito Civil para apurar danos ambientais e no local como supressão de vegetação nativa em APA e o parcelamento irregular do solo em imóvel com área aproximada de 50 mil m².
Registrado sob a matrícula nº 54.119, o imóvel encontra-se na Estrada Nhambuca, nº 1302, Chácara Pôr do Sol, Cotia/SP. Segundo consta, ele está inserido na Área de Proteção Ambiental (APA) de Itupararanga e também em Zona Rural, conforme o Plano Diretor de Cotia. Para a instauração do inquérito, o MP oficiou diversos órgãos, entre eles a Polícia Militar Ambiental (PMA):
Em resposta, a PMA enviou documentação sobre diversas fiscalizações realizadas na área. A primeira em 07/08/2024, quando se verificou a implantação irregular de um loteamento em área de cerca de 5 hectares, com portão, lotes demarcados e construções em andamento. Na época, a área possuía vegetação nativa em estágio de regeneração do Bioma Mata Atlântica e foi constatado o desmatamento de 0,96 hectares. Durante a vistoria, o proprietário foi localizado e apontou o corretor como responsável pelo parcelamento do solo e destruição de vegetação. Segundo a PMA, o corretor foi encontrado e na época admitiu não possuir as autorizações legais necessárias. Diante disso, foram aplicadas multas e imposição de embargo da área.
A PMA relata ainda que voltou mais três vezes: Em 21/01/2025, 26/04/2025 e 05/05/2025 confirmando a continuidade da violação do embargo, gerando mais multas.
O MP também perguntou à CETESB, que confirmou que a área está inserida na APA Itupararanga. Sobre o Parcelamento do solo, ela indicou a Prefeitura de Cotia como responsável.
O MP buscou informações na Prefeitura de Cotia
Também procurada pelo MP, a Secretaria de Habitação de Cotia informou que já havia aberto processo administrativo para apurar o parcelamento clandestino. Indicou também que a área está em Zona de Uso Rural (ZUR). A Secretaria informou ainda que não dispunha de equipamentos adequados para realizar o embargo da obra.
A Secretaria de Obras e Infraestrutura Urbana também foi questionada e informou que realizou o bloqueio e corte de ligações clandestinas de energia elétrica no local em 10/01/2025.
Conclusão do MP
O MP conclui portanto que o desmatamento e o parcelamento irregular de Solo foram promovidos pelo corretor, com anuência dos proprietários do imóvel. Ele ainda observa que apesar das medidas adotadas no curso do Inquérito Civil, o Poder Público Municipal não adotou providências eficazes para conter a ocupação irregular, o que agravou os danos ambientais e gerou vulnerabilidade para os ocupantes. Assim, o MP conclui que o Município de Cotia falhou no exercício de seu poder de polícia, não impedindo o avanço da ocupação, tampouco promovendo a demolição das construções ou a contenção do desmatamento. Assim solicitou em 16/06 para a comarca de Cotia a ação civil pública ambiental, com pedido liminar, de obrigação de fazer indenização citando a prefeitura de Cotia, os proprietários, o corretor, a imobiliária e os compradores.
Respostas
O Site da Granja procurou as secretarias da Habitação, Meio Ambiente e o setor de Comunicação da prefeitura de Cotia, e até a redação desta matéria, não havia obtido resposta. Após a publicação, a prefeitura enviou nota em em 27/06/2025 as 16:57h, sem distinção por secretarias, como foi solicitado. Ela ainda não confirma que o empreendimento se encontra em Zona Rural:
“Como é sabido, a operação ocorreu em virtude de determinação do Ministério Público do Estado de São Paulo no sentido de promover a demolição das edificações situadas irregularmente na APA de Itupararanga.
O poder público municipal foi instado pelo Grupo de Fiscalização Integrada (GFl) a se manifestar quanto à questão, frente à necessidade de se garantir o adequado uso e ocupação do solo urbano no território municipal. No caso, tratando-se de edificações irregulares e loteamento implantando clandestinamente em um espaço territorial especialmente protegido (APA de Itupararanga) de grande relevância ambiental, a medida que se impunha era a demolição, frente à vedação legal à implantação de edificações nos moldes em que estava ocorrendo, resultantes de degradação ambiental.”
Na nota, a Prefeitura ainda lista uma série de atitudes a serem tomadas antes da compra de um terreno, que também estão presentes no link (da Cartilha) encontrado no final dessa matéria. Ela coloca ainda um link que dá acesso a várias áreas irregulares já identificadas.
Opiniões
O Site da Granja ainda conversou com Caio Portugal, vice-presidente do Secovi-SP, sindicato do setor imobiliário, Presidente da AELO - Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano e presidente da GP Desenvolvimento Urbano - empresa loteadora com mais de 70 empreendimentos sobre o caso:
Caio Portugal (CP) - Acompanhei e aplaudi, são ocupações clandestinas.
Site da Granja (SG)- Como se prevenir dos riscos de uma compra de imóvel?
CP - Vou te mandar a cartilha do lote legal que auxilia e orienta. Se puder divulgar, eu agradeço
Segue link da Cartilha