09/09/2025
Mauricio Orth
Em processo que está correndo no Tribunal Superior Eleitoral - TSE, o Ministério Público Eleitoral manifestou sua posição favorável à cassação da chapa do Republicanos de Cotia nas eleições de 2024, alegando que o partido teria fraudado a cota de gênero — regra que obriga pelo menos 30% de candidatas mulheres.
Segundo a manifestação, duas candidatas, Dalla Reis e Ana Cecília Franchini, teriam sido registradas apenas para cumprir a formalidade, sem intenção real de disputar o cargo de vereadora. O MP afirma que as provas são “robustas e irrefutáveis”:
A primeira diz respeito à votação inexpressiva: Dalla teve só 1 voto (provavelmente o dela mesma, pois o voto registrado é da sua Seção) e Ana, 5 votos;
A segunda, financeira, apontando as contas zeradas: as candidatas não declararam arrecadação nem gastos de campanha;
A terceira, sobre a ausência de campanha: não compareceram à convenção partidária, não fizeram postagens ou atos públicos e, no caso de Dalla, ela estava, inclusive, em viagem internacional durante o período eleitoral.
Para o MP, trata-se de candidaturas fictícias, prática combatida pelo TSE por meio da Súmula 73. A consequência é pesada: se reconhecida a fraude, o crime recai sobre o partido. Assim, todos os votos do Republicanos da eleição 2024 para o poder legislativo de Cotia serão invalidados para todos os fins, e isso inclui os votos para quaisquer vereadores, tenham feito uma campanha limpa ou não. Dessa forma, serão anulados os diplomas dos vereadores eleitos pelo partido, Rafael Fernandes Dantas (Rafael Dantas, o vereador mais votado de Cotia, 4.798 votos) e Osmar Danilo da Silva (Professor Osmar, 2.487 votos e presidente da Câmara), além de suplentes.
A pena ainda prevê a inelegibilidade por 8 anos das duas candidatas e do presidente municipal do partido, Edson da Silva (Edson Silva, ex-vereador e candidato a vice-prefeito nas últimas eleições), por estar no cargo considerado legalmente responsável pela montagem da chapa. Caso a Justiça concorde com a acusação, haverá retotalização dos votos e redistribuição das vagas na Câmara Municipal de Cotia.
A importância do DRAP
Por que acontece tudo isso? Porque a pena prevista para este tipo de crime é a cassação do DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) do partido. O DRAP garante que a legenda realizou convenção dentro da lei, respeitou a cota de gênero e está regular na Justiça Eleitoral. Se o TSE entender que o DRAP é inválido, todos os candidatos ligados a ele ficam fora do jogo, os registros caem e até os votos recebidos são anulados. Em resumo: sem DRAP, não tem candidatura válida.
Como funciona a tramitação de processos no TSE
No TSE, tudo corre de forma 100% digital. Sendo um órgão federal, chegam à Corte tanto processos de competência própria do TSE quanto recursos contra decisões dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais, os TREs.
A ação é registrada, classificada e sorteada para um ministro relator. O relator pode pedir um parecer do Ministério Público Eleitoral (esta fase, nesse processo, aconteceu em 02/09). Depois, o relator analisa o caso e decide se resolve sozinho (decisão monocrática) ou se leva a questão ao Plenário do TSE, para julgamento coletivo.
Cotas de gênero: entenda a regra e as punições para fraudes
Como vimos, a legislação eleitoral brasileira determina que os partidos respeitem a cota de gênero nas eleições: pelo menos 30% das candidaturas devem ser femininas, segundo a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997).
Criada em 1997, a cota de gênero não gerava grandes complicações aos partidos até 2018, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) endureceu as punições e passou a cassar toda a chapa em casos de descumprimento. A Súmula 73, publicada pelo TSE em junho de 2024, consolidou a caracterização do descumprimento, definindo critérios claros para identificar fraudes à regra.
Mais de cem candidaturas na mira
Em matéria de janeiro deste ano, o Jornal O Globo detectou no país a cassação de dez vereadores eleitos no pleito municipal do ano passado, sendo que outros 116 estão na mira. Segundo o levantamento, feito com base em dados da Justiça Eleitoral, mais de 30 processos tramitam em 16 estados.
Fraudes à cota de gênero podem gerar injustiças inesperadas?
Casos recentes mostram que a aplicação da Súmula 73 pode ter efeitos colaterais indesejados.
Em 2022, na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), a cassação de votos de partidos acusados de fraude levou à perda do mandato do deputado Simão Pedro (PT), que não tinha qualquer ligação com as legendas punidas. Em seu lugar, Camila Godoi (PSB), ex-vereadora de Itapevi, tomou posse como deputada estadual por conta da recontagem dos votos.
Em 2024, na cidade de Monte Mor - SP, a anulação de apenas 487 votos do partido Solidariedade fará com que uma vereadora eleita — mulher, com 556 votos válidos por outro partido — perca sua cadeira para um homem. O paradoxo aumenta porque o partido beneficiado estava coligado majoritariamente com o partido fraudador.
Especialistas apontam que, nesse contexto, surge uma espécie de “fraude da fraude”: ao tentar corrigir irregularidades, o sistema eleitoral pode gerar novas injustiças, prejudicando eleitores e candidatos de boa-fé e distorcendo a representatividade democrática.
Alguns juristas defendem que a punição deve ser firme, mas proporcional — recaindo sobre o partido fraudador e seus candidatos, sem anular votos válidos de forma indiscriminada. A saída, afirmam, está em buscar um equilíbrio entre dois valores constitucionais: de um lado, a igualdade de gênero e a moralidade eleitoral; de outro, a preservação da vontade do eleitor.
E você, acha que a punição é justa?