18/09/2025
Mauricio Orth
Em processo que está correndo no Tribunal Superior Eleitoral - TSE, o Ministério Público Eleitoral - MPE e a Federação Psol / Rede moveram uma ação favorável à cassação da chapa do Republicanos de Cotia nas eleições de 2024, alegando que o partido teria fraudado a cota de gênero — regra que obriga pelo menos 30% de candidatas mulheres.
Segundo a manifestação, duas candidatas, Dalla Reis e Ana Cecília Franchini, teriam sido registradas apenas para cumprir a formalidade, sem intenção real de disputar o cargo de vereadora. O MPE afirma que as provas são “robustas e irrefutáveis”:
A primeira diz respeito à votação inexpressiva: Dalla teve só 1 voto (provavelmente o dela mesma, pois o voto registrado é da sua Seção) e Ana, 5 votos;
A segunda, financeira, apontando as contas zeradas: as candidatas não declararam arrecadação nem gastos de campanha;
A terceira, sobre a ausência de campanha: não compareceram à convenção partidária, não fizeram postagens ou atos públicos e, no caso de Dalla, ela estava, inclusive, em viagem internacional durante o período eleitoral.
Para o MPE, tratam-se de candidaturas fictícias, prática combatida pelo TSE por meio da Súmula 73. A consequência é pesada: se reconhecida a fraude, o crime recai sobre o partido. Assim, todos os votos do Republicanos da eleição 2024 para o poder legislativo de Cotia serão invalidados para todos os fins, e isso inclui os votos para quaisquer vereadores, tenham feito uma campanha limpa ou não. Dessa forma, serão anulados os diplomas dos vereadores Rafael Fernandes Dantas (Rafael Dantas, o vereador mais votado de Cotia, 4.798 votos) e Osmar Danilo da Silva (Professor Osmar, 2.487 votos e presidente da Câmara), além de suplentes.
A pena ainda prevê a inelegibilidade por 8 anos das duas candidatas e do presidente municipal do partido, Edson da Silva (Edson Silva, ex-vereador e candidato a vice-prefeito nas últimas eleições), por estar no cargo considerado legalmente responsável pela montagem da chapa. Caso a Justiça concorde com a acusação, haverá retotalização dos votos e redistribuição das vagas na Câmara Municipal de Cotia.
A importância do DRAP
Por que acontece tudo isso? Porque a pena prevista para este tipo de crime é a cassação do DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) do partido. O DRAP certifica que a legenda realizou convenção dentro da lei, respeitou a cota de gênero e está regular na Justiça Eleitoral. Se o TSE entender que o DRAP é inválido, todos os candidatos ligados a ele ficam fora do jogo, os registros caem e até os votos recebidos são anulados. Em resumo: sem DRAP, não tem candidatura nem voto válidos.
Como funciona a tramitação de processos no TSE
No TSE, tudo corre de forma 100% digital. Sendo um órgão federal, chegam à Corte tanto processos de competência própria do TSE quanto recursos contra decisões dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais, os TREs.
A ação foi registrada, classificada e sorteada para um ministro relator. O relator pediu um parecer do Ministério Público Eleitoral (esta fase, nesse processo, aconteceu em 02/09). Que se mostrou totalmente favorável. O Juiz do TSE considerou improcedente (!) o pedido em 09/09 e agora, tanto a federação (em 12/09) quanto o MPE (em 15/09) entraram com recursos para reverterem a sentença, por considerarem que existem provas muito evidentes.
Para Leandro Félix, advogado processualista e eleitoral, que representa a Federação, a fraude na cota feminina foi tão evidente que até quem não é da área jurídica consegue identificar. O Republicanos teria lançado candidatas sem participação real de campanha, com contas zeradas e votação inexpressiva — apenas para cumprir a exigência legal. A defesa ainda apresentou provas consideradas frágeis, como postagens em redes sociais privadas, isto é, fechadas ao público, o que contradiz o próprio sentido de disputar uma eleição.
“Não basta simplesmente o agente querer cumprir a cota, e sim a maneira que a cota foi cumprida, sabe, porque não adianta você colocar candidatas que não tenham interesse na participação dos atos de campanha, né?” finalizou.
Cida Aires, enfermeira, que faz parte do diretório municipal do PSOL de Cotia e é presidente da Federação Psol/Rede, por onde foi candidata à Prefeitura em 2024, comentou ao Site da Granja:
“Na cidade onde uma mulher não é eleita há quase 50 anos, esse processo judicial virou símbolo de luta contra o machismo na política”, disse Aires, que destacou que impedir mulheres de ocupar espaços de poder é uma injustiça, já que elas são maioria na sociedade. "Mesmo após derrota em primeira instância, os recursos apresentados pelo Ministério Público e a Federação mantêm viva a expectativa de abrir espaço para maior representatividade feminina", disse ela.
Cotas de gênero: entenda a regra e as punições para fraudes
Como vimos, a legislação eleitoral brasileira determina que pelo menos 30% das candidaturas devem ser femininas, segundo a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997). E claro: as candidaturas têm que ser reais, do começo ao fim. A cota de gênero não gerava grandes complicações aos partidos até 2018, quando o TSE endureceu as punições e passou a cassar toda a chapa em casos de descumprimento. A Súmula 73, publicada pelo TSE em junho de 2024, consolidou critérios claros para identificar fraudes à regra.
Fraudes à cota de gênero podem gerar injustiças inesperadas?
Casos recentes mostram que a aplicação da Súmula 73 pode ter efeitos colaterais indesejados.
Em 2022, na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), a cassação de votos de partidos acusados de fraude levou à perda do mandato do deputado Simão Pedro (PT), que não tinha qualquer ligação com as legendas punidas. Em seu lugar, Camila Godoi (PSB), ex-vereadora de Itapevi, tomou posse como deputada estadual por conta da recontagem dos votos.
Em 2024, na cidade de Monte Mor - SP, a anulação de apenas 487 votos do partido Solidariedade fará com que uma vereadora eleita — mulher, com 556 votos válidos por outro partido — perca sua cadeira para um homem. O paradoxo aumenta porque o partido beneficiado estava coligado majoritariamente com o partido fraudador.
Especialistas apontam que, nesse contexto, surge uma espécie de “fraude da fraude”: ao tentar corrigir irregularidades, o sistema eleitoral pode gerar novas injustiças, prejudicando eleitores e candidatos de boa-fé e distorcendo a representatividade democrática.
Alguns juristas defendem que a punição deve ser firme, mas proporcional — recaindo sobre o partido fraudador e seus candidatos, sem anular votos válidos de forma indiscriminada. A saída, afirmam, está em buscar um equilíbrio entre dois valores constitucionais: de um lado, a igualdade de gênero e a moralidade eleitoral; de outro, a preservação da vontade do eleitor.
E você, acha que a punição é justa?