03/04/2025
Mauricio Orth
Diante da suspensão judicial do Plano Diretor de 2024, a Prefeitura de Cotia decidiu adotar, por conta própria, sua validade parcialmente, mesmo que considerado inconstitucional pelo Ministério Público (MP). Com essa medida, todas as solicitações de verticalização na cidade podem ser aprovadas.
Entenda o histórico:
Em 20/01 deste ano, o Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo promoveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido liminar, contra as Leis do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo de Cotia, aprovadas em 2024 e, por arrastamento, da Lei Complementar n. 325, de 16/03/2022 (o antigo plano diretor), e da Lei Complementar n. 334, de 11/08/2022 (as antigas leis de zoneamento, uso e ocupação de solo).
Mas o que é arrastamento?
No Direito, a "inconstitucionalidade por arrastamento" é utilizada para declarar que são inconstitucionais as normas que estão diretamente interligadas com outra norma que já foi considerada inconstitucional. As leis de 2024 e 2022 estão diretamente interligadas. São muito parecidas, aliás. Dá até pra dizer que a de 2024 é uma atualização da anterior, por conter diretrizes do PDUI - o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, instrumento estadual de planejamento e gestão, obrigatórias e que não constavam nas leis de 2022.
A liminar foi dada no dia 27/01. O TJSP entendeu que o novo plano se baseou em estudos antigos e disse que as mudanças podem ocasionar danos ambientais irreparáveis.
Apesar de, em um primeiro momento, a prefeitura dizer que não se pronunciaria, ela enviou, em 29/01 um Embargo de Declaração ao TJSP, assinado pelo prefeito:
O que é um Embargo de Declaração?
Embargo de Declaração é um recurso jurídico que permite a uma das partes de um processo judicial pedir ao juiz que esclareça ou corrija uma decisão.
No Embargo, a prefeitura diz entender o que fazer com os pedidos formulados a partir do dia 27/01/2025 (paralisá-los à espera da decisão). Ela busca também esclarecimentos sobre como proceder com os mais de dois mil pedidos de alvarás e autorizações já concedidos entre maio de 2024 e a suspensão judicial em janeiro de 2025. A prefeitura também destacou que a paralisação das atividades pode gerar impactos econômicos negativamente significativos.
Ela ainda pergunta se está autorizada a aplicação das Leis de 2022, tanto para pedidos posteriores a 27/01/2025 quanto para pedidos em andamento.
Aqui começa uma distorção: Na própria decisão do TJSP pela liminar, encontramos respostas para essa pergunta neste trecho onde as considera equivalentes:
“...as modificações operadas pelas novas regras de zoneamento não contrastam com a lei anterior de zoneamento de uso e ocupação do solo (Lei Complementar nº 334/22), que apresentava os mesmos vícios de inconstitucionalidade ora invocados.”
Preocupado com a possibilidade de a prefeitura adotar as normas de 2022, o MP protocolou uma resposta ao embargo da Prefeitura em 24 de fevereiro. No documento, o órgão pede ao TJSP que reforce a suspensão dessas normas até o julgamento da ação. Além disso, vendo o volume de solicitações de licenças (2.000!), recomenda que a liminar tenha efeito ex tunc, ou seja, que sua validade retroaja ao momento da promulgação das leis.
Em 6 de março, a Prefeitura contestou o pedido do MP, alegando que a decisão judicial inicial não mencionava explicitamente o efeito ex tunc nem a suspensão automática (por arrastamento) das leis de 2022.
Decisão unilateral da prefeitura
Diante da demora do TJSP em se pronunciar sobre a questão, a Prefeitura decidiu unilateralmente, em 14 de março, retomar as autorizações conforme publicado aqui no Site da Granja. A justificativa foi apresentada em um documento de mais de 40 páginas enviado ao tribunal.
Primeiro, apesar de suas inegáveis semelhanças, o documento procura dissociar as leis de 2022 das de 2024 para poder afirmar que as leis de 2024 não são inconstitucionais, pelo menos em sua totalidade.
Segundo, procura preservar partes das leis de 2024 e justifica a verticalização sem, no entanto, localizá-la. Ignorando a falta de capacidade municipal de oferecer a infraestrutura necessária, o documento cita a questão das moradias populares e lembra da dificuldade de se conter invasões.
Pedido de tempo
Ao mesmo tempo, concorda que as leis possuem algumas falhas e que merecem correções pontuais. A atual gestão informa já estar empenhada na revisão de pontos das Leis. E pede 18 meses para ajustá-las. Durante esse período determina que valeriam as leis de 2022. Reforça, portanto, a importância de se manter as aprovações feitas a partir de 2022.
Contradições
A solicitação da prefeitura gera um evidente contrassenso. As leis de 2024 foram criadas justamente porque a própria administração municipal reconheceu que as normas de 2022 eram inconstitucionais, conforme matéria também do Site da Granja. Para fundamentar sua solicitação, o documento não admite as profundas similaridades entre as leis de 2022 e 2024.
Insegurança jurídica
A falta de clareza sobre a legalidade da medida pode gerar novos questionamentos judiciais e insegurança para a população e investidores da cidade. Apesar das promessas do prefeito de revisar o plano com ampla participação da sociedade, todos os embargos da prefeitura enviados ao TJSP ignoram esse compromisso. Em nenhum deles se encontram as palavras “audiência pública” utilizadas quando o assunto versa sobre as próximas revisões propostas.