18/07/2024
Por Ivan Maglio*
O debate sobre o projeto da Nova Raposo do km 09 ao km 34 deixa a análise do problema de mobilidade urbana desse trecho urbano da via entre Cotia e São Paulo cada vez mais atual. Está claro que o projeto apresentado pelo governo estadual é antiquado e de cunho rodoviarista e que causaria enormes impactos ambientais, sociais, urbanísticos e climáticos, mas sem nenhum ganho efetivo para minimizar o problema dos constantes congestionamentos na via, em especial nos horários de pico.
A Rodovia Raposo Tavares no trecho Cotia – São Paulo tem um volume aproximado de 45 mil veículos/dia em cada direção, ou seja, 90 mil veículos/dia no total. Cerca de 85% desse tráfego é composto por veículos leves (carros), o restante por veículos comerciais (caminhões e veículos de carga).
As pistas da rodovia com o atual número de faixas, inseridas em cerca de 40 metros de largura da faixa de domínio, apresentam-se saturadas. Para ampliar sua capacidade, o governo escolheu um projeto que amplia essa faixa de domínio em cerca de 15 a 20 metros para cada lado, e tal alteração exigirá grandes desapropriações de imóveis e supressão de cerca de 1.000 árvores e 10 mil lotes, segundo dados levantados pelo Movimento Nova Raposo Não!. A área já impermeabilizada receberia mais de 1,1 milhão de m² de novas impermeabilizações e ampliaria o volume de tráfego para cerca de 118 mil veículos/dia (59 mil veículos em cada direção), trazendo um enorme acréscimo de poluentes em decorrência desses aumentos de tráfego da via situada no interior de uma malha urbana densamente urbanizada.
Mas se o grande volume atual da rodovia são os veículos de transporte individual, a questão da mobilidade urbana deveria ser o foco principal de uma nova proposta que represente uma alternativa de solução moderna e eficaz para essa questão. Os ônibus que trafegam pela rodovia têm origem em vários municípios da região oeste da RMSP com destino a São Paulo. Nesse contexto, nem mesmo um sistema de corredores de ônibus troncalizado e integrado foi previsto até o momento, o que mostra o desinteresse dos autores do projeto em priorizar o transporte coletivo, privilegiando o transporte individual e indo na contramão do que se pratica nas metrópoles mundiais em termos de mobilidade urbana.
Para desmotivar o uso do transporte individual, a oferta de um serviço de mobilidade urbana de alta qualidade seria a solução adequada. Somada a melhorias com intervenções físicas e operacionais na rodovia com o uso das novas tecnologias atualmente disponíveis e um pequeno alargamento de aproximadamente 10 metros (5m de cada lado) na sua faixa de domínio, a inserção de um sistema de transporte de média capacidade movido a energia limpa e elevado padrão urbanístico seria possível. Isso substituiria a atual proposta, uma simples ampliação de forma a caber um número maior de pistas e portanto de veículos, com todos os impactos decorrentes, seja na implantação e na operação com a ampliação do volume de poluentes e do volume de tráfego para a marginal Pinheiros e vias já saturadas da cidade. As mudanças anunciadas até agora mudam pequenos aspectos do traçado para atender a pressões localizadas, mas não alteram a concepção rodoviarista e os grandes impactos do projeto proposto pelo governo estadual.
Essa opção, que chamamos de urbanismo rodoviarista, teve sua pujança nos anos 1950, mas que não fazem mais o menor sentido atualmente, quando precisamos de maior resiliência da cidade, mais permeabilidade e menos emissões de gases de efeito estufa e de outros poluentes para enfrentarmos a crise climática.
São Paulo, Estado e cidade assumiram diversos compromissos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o aquecimento global e com a sustentabilidade, o que conflita claramente com o projeto rodoviarista ora proposto, como se esta fosse apenas mais uma rodovia Raposo Tavares no seu trecho urbano. Nesses cerca de 25 km, a rodovia se transformou numa via urbana rodeada por edificações verticais, bairros de todos os padrões, parques e áreas verdes conservadas a duras penas pelas comunidades e ambientalistas, como o Parque da Previdência, num tecido urbano que busca cada vez maior qualificação, sustentabilidade, resiliência urbana e adaptação a riscos climáticos. Alia-se à proposta apresentada a questão do aumento da arrecadação via implantação de um pedágio urbano no trecho de 25 km atualmente inserido na malha urbana sem a devida discussão dessa opção de política pública!
Um projeto moderno de mobilidade urbana de média capacidade que transporte até 35 mil passageiros/dia resolveria o problema com muito menos impactos ambientais e com melhores resultados urbanísticos, sociais, climáticos e ambientais. A equação do pedágio é uma política pública que ainda demanda um maior debate para áreas urbanas, pois tarifas opcionais e a tarifa zero vêm sendo discutidas e praticadas como opção nos projetos modernos de mobilidade urbana.
Aí a gama de opções possíveis estaria entre o BRT – Bus Rapid Transit (Ônibus de Trânsito Rápido) e os Veículos Leves Sobre Trilhos – VLT. Essas alternativas apresentam diferentes vantagens e desvantagens, mas reduzem substancialmente o uso do carro como alternativa para os deslocamentos com fins urbanos. Temos ainda a discussão da implantação de linha de metrô que transportaria até 90 mil passageiros/dia, mas que apresenta a necessidade de uma demanda que viabilize sua implantação. Se o Governo do Estado discute essa alternativa metroviária através da implantação da linha Marrom 22 de Cotia a São Paulo, deveria apresentar esses números de forma séria e consequente como opção de mobilidade urbana. Entretanto, essas opções têm tempos de maturação diversos, os primeiros de médio prazo, o metrô de longo prazo.
Particularmente, minha opinião é que o VLT apresenta muitas vantagens e modernidade suficiente para se apresentar como solução para melhorar as condições de mobilidade urbana nesse trecho da via Raposo Tavares. O Estudo de Impacto Ambiental – EIA é o instrumento previsto na legislação ambiental para a discussão das alternativas tecnológicas com maior viabilidade ambiental e urbanística para resolver o problema e tampouco foi apresentado. Há um claro retrocesso na apresentação do projeto Nova Raposo no que se refere a aplicação da lei e das regras ambientais democráticas duramente conquistadas com o capítulo de meio ambiente na Constituição de 1988, e recebeu-se um projeto rodoviarista que não se sustenta e nem sequer apresenta os estudos técnicos e ambientais em que se baseou.
A quem está servindo esse projeto rodoviarista que faria sentido nos anos 1950, mas que no século 21 não faz mais nenhum sentido, uma vez que causa impactos e só agravará a solução social, urbana, ambiental e climática?
*Ivan Maglio é Engenheiro Civil, Doutor em Saúde Pública e Pesquisador em Mudanças Climáticas e Planejamento Urbano pelo IEA – Instituto de Estudos Avançados e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU da USP.