05/05/2025
Mauricio Orth
O processo administrativo 00011797.989.23-3, que tem o advogado Thiago Donnini como autor, foi, aliás, o motivo inicial desta série. Este processo está ativo no Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo – MPC-SP, um dos ramos do Ministério Público que tem como um de seus objetivos defender a questão patrimonial do Estado e Municípios paulistas. Donnini é também professor de direito, membro da Rede de Animadores “Laudato Si” e morador da região.
O MPC-SP acolheu o processo, que visa o impedimento de eventual autorização pela Fundação Florestal para a implantação de três Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPNs, solicitada pela Sabesp.
“Entendemos a proposta da Sabesp em dividir a RFMG em três RPPNs como uma medida ambientalmente equivocada e temerária. (...) Na medida em que elas correspondem a apenas 17% da área total, o que seria do restante?” diz o parecer de Élida Graziane Pinto, Procuradora do MPC-SP, no processo, em 26/07/2024.
A Sabesp querendo desmembrar a RFMG? Em RPPNs? O que é uma RPPN? Como o Morro Grande chegou a essa situação?
Início
Como vimos, com o crescimento populacional da virada do século 19 para o 20 em São Paulo, seu abastecimento de água tornou-se crítico. O Rio Tietê deixava de ser opção pelos riscos que oferecia à saúde pública. Pela proximidade com a capital e sua altitude, o Rio Cotia foi o escolhido. Assim, suas cabeceiras foram desapropriadas e se transformaram na Fazenda Estadual Morro Grande, que depois virou reserva florestal. Ali começou a funcionar o Sistema Alto Cotia. A Barragem da Graça, feita em 1916, tem como função a captação das águas. O Reservatório Pedro Beicht (nome de um dos maiores proprietários das terras desapropriadas), regula a vazão do Sistema, mantendo o abastecimento em períodos de estiagem. Por gravidade, o Alto Cotia chegava a entregar água no espigão da Paulista.
1979 - Criação da Reserva
A Lei estadual 1.949, de 04/04/1979, criou a RFMG: “Fica criada a Reserva Florestal do Morro Grande, no local das matas que também são assim conhecidas, situadas nas bacias interior e superior do Rio Cotia.”
1981 - Tombamento pelo Condephaat
Logo depois, na Resolução 21 de 20/06/1981, o tombamento das matas que compõem a Reserva foi definido pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e turístico de SP, que o considera uma importante área de refúgio da fauna das matas tropicais, ameaçada de extinção.
1994 - A Reserva da Biosfera do Cinturão Verde
Com o apoio do Estado e a partir de um histórico movimento da Sociedade Civil, responsável por abaixo-assinado de 150.000 assinaturas, a UNESCO declarou, em 09/06/1994, a criação da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, composta principalmente por Unidades de Conservação (UCs) e tendo a RFMG inserida e reconhecida como uma das zonas-núcleos, apesar de não ser uma UC.
2000 - SNUC
Falando em UCs, em 2000 foi concebido o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), de forma a potencializar o papel das UCs. Segundo esta lei federal, as unidades criadas pelos estados e municípios devem ser integradas ao SNUC por iniciativa de seus administradores. As unidades de conservação integradas ao SNUC podem ter acesso a recursos e apoio técnico do governo federal, além de poderem buscar parcerias e financiamentos para o desenvolvimento de projetos de conservação.
Política
Apesar de reunir todas as condições, a RFMG não foi integrada ao SNUC. Por quê? A Lei Estadual de 79, que concebia a Reserva, determinava que o Poder Executivo e a SABESP, responsável pela área, deveriam adotar uma série de providências para a sua regularização como espaço especialmente protegido. Não o fizeram. Mesmo sendo um dos maiores e últimos remanescentes florestais da Região Metropolitana de São Paulo, a área ainda não foi, até hoje, enquadrada como Unidade de Conservação.
2010 - Polo de Ecoturismo do Morro Grande
No final de 2010, um projeto começou a ser idealizado na RFMG: o da implantação de um polo de ecoturismo, envolvendo a Prefeitura de Cotia, a SABESP e uma OSC (Organização da Sociedade Civil) denominada “Habita”.
O princípio do polo era “Contribuir para o desenvolvimento sustentável, implantando o ecoturismo na RFMG, preservando seu meio ambiente com segurança e aproveitamento econômico (...) para a prática do esporte de aventura e outras modalidades, além de passeios, caminhadas, cavalgadas, vela, remo, canoagem e golfe.”
Para que este polo funcionasse, foram assinados termos de parceria entre a Sabesp e o Município de Cotia, designando a OSC Habita como realizadora e mantenedora do polo. O financiamento viria majoritariamente de Cotia.
A Sabesp, responsável pela área, festejava o momento e publicava, em outubro de 2012 em seu site, anúncio comemorando o feito. Só que para a realização deste projeto, existia uma outra condição, considerada indispensável: A criação de 03 RPPNs dentro da Reserva.
O que é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)?
É uma propriedade de domínio privado que em sua matrícula tem gravada o objetivo de se conservar a diversidade biológica de forma definitiva. Ela pode ser vendida, desde que se mantenha sua vocação. As solicitações de RPPN por parte da Sabesp são de 2017/2018, quando a Sabesp ainda era empresa pública.
Não funciona
De fato, as áreas solicitadas para se tornarem RPPNs, além de não serem contíguas, correspondem somente a 17% da área da RFMG, de 10.870,08 hectares. O Site da Granja teve acesso a vasto material sobre a elaboração do polo de ecoturismo e não encontrou nenhuma menção sobre qual seria a destinação dos 83% “restantes” da área da RFMG.
A carta anexa ao processo, de Jean Paul Metzger, pesquisador do Laboratório de Ecologia de Paisagens e Conservação Departamento de Ecologia - Instituto de Biociências – USP, é bem clara. Segue aqui um trecho:
“A localização das RPPNs não contempla as áreas de florestas mais maduras, que são as mais biodiversas e importantes para conservação, além de não proteger as cabeceiras do (rio) Cotia. Ela deixa 83% da RFMG sem a proteção legal adequada. A proposta fragmenta a conservação, aumenta o risco de extinção de espécies e não atende às necessidades de manejo florestal e faunístico. Também não possibilita a exploração completa do potencial recreativo e educativo da área. A adequada conservação da RFMG só é possível se a integridade de sua área for convertida em uma Unidade de Conservação de Proteção Integral do SNUC, preferencialmente um Parque Estadual ou um Refúgio de Vida Silvestre, esta última tendo a vantagem de evitar altos custos de indenização ou desapropriação.”
E você, diante disso tudo, o que acha da proposta da Sabesp?