11/06/2021
Nós caímos de amor (falling in love) ou determinamos se e por quem isso acontecerá
Talvez o título deste artigo pareça absurdo. Ou talvez soe enigmático. O subtítulo segue sem esclarecer nada e pode dar vontade de deixar de lado a leitura. Mas quem sabe você decida ficar e se perguntar: que poder de escolha e decisão seriam esses numa área tão pouco controlável da vida, onde algumas pessoas parecem ter sido simplesmente presenteadas com experiências amorosas estáveis ou mesmo incríveis, enquanto outras atravessam constantemente terrenos áridos, desérticos, rochosos, íngremes, de trilhas bem fechadas ou até muito perigosos?
Pois é, há aí tanta escolha quanto em outras áreas da vida. Depende de como olhamos, depende da instância em nós a que estamos nos referindo. Querem ver?
Lembre-se das suas relações amorosas mais importantes. Você reconhece algum padrão nos homens ou mulheres por quem se apaixonou ou com quem se envolveu mais significativamente? Pode ser um único ponto, algum detalhe... Há algo em comum nessas pessoas ou nas histórias vividas? Ou será que você identifica opostos? Isso também é possível. Assim: numa relação você esteve com uma pessoa que era de um jeito e na seguinte com alguém que foi exatamente o contrário. Quem sabe? Nesse caso não há um padrão, mas um eixo no qual você pendula.
Pois então, é aqui que estão enraizadas as nossas escolhas. Saímos pela vida com nossos moldinhos de relação, que são mais ou menos acessíveis, conhecidos e conscientes para nós. Estamos buscando o amor e carregamos essas formas-molde na nossa mochila. Então, uma ou um ilustre desconhecida(o) passa pela rua com algum suposto encaixe em nossa forma-molde e, puf, capturamos a(o) pobre desavisada(o) para nosso enredo romântico.
Pronto, está feito! É assim que o amor é uma escolha. Ou esta não foi uma escolha?
Tudo bem, no sentido estrito do termo as coisas não acontecem com base numa opção muito livre e consciente. Isso porque as nossas formas-moldes de relação foram se constituindo muito longe no tempo e sem muita participação nossa. Sabem quando, não é? Hoje já é senso relativamente comum e não surpreende dizer que nossos “moldes” mais importantes se formam em especial lá bem cedo na vida, quando nem sabíamos quem éramos, nos primeiros vínculos, na qualidade das primeiras trocas afetivas, na forma como as experienciamos, nas emoções que despertaram, em seguranças e incertezas que surgiram, em tudo o que essas experiências acabaram nos fazendo entender sobre o que é o mundo, a vida, sobre o que conseguimos registrar a respeito de as pessoas, os sentimentos e nós mesmas(os) sermos positivas(os) e confiáveis ou não.
Esses registros irão, no futuro, atuar em várias áreas e experiências da nossa vida. Mas, claro, eles atuarão em especial ali, diretamente nos relacionamentos afetivos futuros. Que poder terão na hora que um novo vínculo, afeto ou desejo quiser acordar em nós. Das lacunas que inevitavelmente existem aí, começam a ser lançadas sombras, fantasmas de todo tipo e muitas vezes se projetam filmes embolorados na tela em que gostaríamos de ver apenas cenas apaixonantes. Ok, é disso que se enchem os consultórios muitas vezes.
Pois é, o grande problema para o amor é quando, quebrada a casquinha fina das aparências de uma vida adulta satisfatória, surgem crianças amedrontadas pelo que sentem, com medo de expressar o amor, com medo dos riscos do amor, machucadas, sem autonomia e aprisionadas a enredos repetitivos, assombradas pela possibilidade da rejeição, da não aceitação, da não validação e de não serem especiais para alguém, traindo-se ou traindo outras pessoas pelo pavor de encarar por inteiro uma experiência amorosa e seus riscos, adultos-crianças que buscam de forma infantil salvadores(as) para suas antigas histórias de afeto. São homens que se afundam em jogos de sedução, mas não passam dessa fase com medo de serem descobertos um pouco mais abaixo da pele. Mulheres idem. Ou também aquelas que se lançam em fantasias gigantes para fugir da realidade que tanto temem ou desenvolvem ansiedades tremendas do “quero para já” como se fossem menininhas desamparadas. Homens idem. Há os que se lançam no trabalho loucamente também ou se dedicam integralmente à família, só para não olhar, para preencher vazios ou se desviar do medo. E assim vamos sem resolver nada de nada. E para piorar, a sociedade ultra-valoriza os relacionamentos e quem está neles, considerando um fracasso, especialmente para as mulheres, se isso não está em sua lista de conquistas.
Então, que escolha temos diante de tudo isso?
Não é simples, mas uma saída existe. Transitar do afeto infantil para um afeto atualizado da vida adulta, transitar da carência que ficou do passado para a busca por uma relação amadurecida, deixar de procurar o que não pode ser substituído e se lançar numa aventura completamente nova, deixar mapas errados, crenças e pistas equivocadas e se entregar ao frescor de algo ainda não experimentado, uma estrada nova ao amanhecer, – e tudo isso mesmo dentro de uma relação antiga! – são os caminhos do amor para qualquer um que tenha atravessado suas duas ou três primeiras décadas de vida. Fora isso, nada mais pode nos abrir as portas para uma experiência amorosa verdadeira e saudável.
Talvez seja importante vasculhar o que andamos carregando na mochila. Que tal dar uma olhada nas formas-moldes que estão na bagagem? Também é bom encarar o vazio que há ali. Às vezes é melhor se desfazer do que não serve e abrir espaço, do que carregar pedras, que nos quebram a coluna. Ficar com a mochila leve, sem medo da falta e da escassez, pode ser uma boa forma de começar uma nova aventura interna.
Há trilhas que precisamos fazer com o mínimo de bagagem, boas indicações, um bom cajado, água fresca e, principalmente, contando com nós mesmas(os). Que tal começar? Uma boa experiência de amor começa sem sombra de dúvida quando revemos nossas escolhas e, com isso, aprendemos a nos olhar e estar em nossa própria companhia. O restante flui com muita naturalidade, uma estrada clara no amanhecer.
Feliz dia de escolher se amar.