22/02/2024
Claro e natural. Basta ver que a nossa sobrevivência física depende de inclusão desde os primórdios da vida. Um bebê não incluído pode morrer. Mas também adultos não conseguimos viver sozinhos. Não temos condições de plantar, gerar energia, obter água e criar todas as demais condições materiais para a nossa sobrevivência.
No entanto, a necessidade humana de pertencimento é bem mais complexa que isso. Como seres gregários, o fato é que temos inúmeras necessidades emocionais que são satisfeitas apenas quando podemos pertencer. E aí está a pandemia da covid que simplifica qualquer explicação sobre o tema. Que falta fizeram os encontros, abraços e experiências sociais!
Então, precisamos pertencer. Até aqui, tudo bem. A questão começa quando empreendemos excessivamente para conseguir isso. Por exemplo, se para sermos vistos, deixamos de nos ver, nesse caso, passamos a ter um problema. Ou se para sermos validados, deixamos de nos validar e nos amoldamos a qualquer situação precária ou prejudicial, então, também passamos a ter um problema. E assim vamos. Colocamos grandes doses de energia, emoção e tempo na direção de poder pertencer, muitas vezes nos cegando a respeito de nós mesmos e perdendo o equilíbrio.
Olhe para si e veja se é assim de fato. O que você faz em busca de pertencimento? Por acaso abraça jornadas de herói ou heroína? Doa-se demais, se entrega demais? Cuida dos outros ou das situações excessivamente, em geral, até se esquecendo dos cuidados consigo mesma(o)? Ou anda fantasiando que pode ser um salvador ou salvadora de alguém ou de algo?
Outros comportamentos em que a busca por pertencer pode estar em excesso: comparar-se incansavelmente; acreditar que não é suficientemente boa ou bom e sempre sentir que tem que melhorar ou ser diferente do que é; manter-se na “saga” social e/ou familiar – o famoso repetir as historinhas tristes que existem aí – aderindo, mesmo sem perceber e mesmo lutando contra isso, a inúmeras convenções ou padrões mantidos dentro desses grupos. Tudo para fazer parte e poder pertencer.
Quem não se identificou com uma ou várias dessas condições? Se você teve um ambiente de desenvolvimento impecável, talvez esteja bem longe de sofrer para pertencer. Mas a verdade é que para a maioria de nós as dores mais profundas costumam vir de não termos pertencido ou de não termos podido fazer parte sendo aceitos de forma incondicional, exatamente como éramos. Por outro lado, todos os nossos dons, alegrias, segurança e potência vêm de validação, admiração e amor. Também basta olhar para termos certeza disso.
Mas, então, se é assim, de certa forma é relativamente simples criar um pertencimento saudável e mais tranquilo. Que tal começar um ano de validação, admiração e amor próprios, deixando de terceirizar que te admirem ou valorizem? Se nós mesmas(os) não nos admiramos ou não nos valorizamos, não é um bom plano esperar que isso venha dos outros. Quem vai comprar uma ideia ou fazer por nós o que não estamos conseguindo fazer? Já não somos menininhas ou menininhos indefesos que dependem de amor de fora para sobreviver.
Então, paciente e persistentemente, precisamos nos desidentificar de todo esse ciclo de frustrações. Será preciso nos desobrigarmos das comparações, dos papéis, das empreitadas desumanas ou não amorosas e vermos o que resta de nós. Se, então, pudermos amar ou pelo menos abraçar o mais simples em nós, um caminho se apresenta. Se pudermos amar ou pelo menos abrir-nos para aquilo que mais temos tentado excluir em nós, seja lá o que for, nossa história ou partes dela, por exemplo, então, o verdadeiro pertencimento começa.
Vale a pena tentar essa nova forma de pertencer, mais madura e autônoma. Depois todos os encontros, parcerias e convivências se tornam mais leves e satisfatórios. Um pertencimento natural acontece, porque foi, enfim, criado – e curado! – dentro.