08/05/2025
Profa.
Dra. Maria Cecília Castro Gasparian
Psicóloga
Profa.
Maria Elisa Marciano
Psicanalista
Eu podia sentar aqui e escrever
uma homenagem às mães baseada em uma bela poesia ou sobre o quanto as mães são
importantes ou ainda uma dedicatória àqueles pais que são mães. Podia escrever
sobre como a nossa sociedade mudou e o quanto fomos engolidos pelo consumismo
ou as redes sociais. Poderia falar de tendências, de padrões de comportamento,
enaltecer as lutas femininas ao longo do tempo. Papel e caneta aceitam tudo.
Então seja você uma avó, como eu,
uma filha, uma mãe solo, um pai que faz papel de mãe ou um irmão que teve que
criar outro. Seja você um motorista de ônibus, um CEO, um físico, músico. Não
importa. Todos tivemos uma mãe. E não estou falando sobre Biologia.
Dizem que mãe é quem cuida, mas vou além. E para isso é necessário dar alguns
passos para trás no tempo, analisando a raiz dessa palavra tão linda: cuidar.
Pois é... cuidar vem do
Latim Vulgar cogitare, que significa “pensar”. E quem cuida, pensa. E
quem cuida, ensina a pensar. E ao ensinar a pensar, reaprende a pensar.
E é sobre esse movimento de ensinar e aprender que quero falar hoje. É
isso o que, no fundo, devemos comemorar.
Por que comemoramos o
Dia das Mães no segundo domingo de maio?
A tradição do Dia das Mães, ao
contrário do que muitos pensam, não nasceu com a publicidade nem com os grandes
shoppings. Tem raízes mais profundas, que misturam fé, luto e reconhecimento.
A figura central da origem
moderna da data é Anna Jarvis, uma americana que, em 1908, organizou a
primeira homenagem pública em memória de sua mãe, uma ativista social que
cuidava de feridos da Guerra Civil e promovia encontros para mães de soldados
de ambos os lados do conflito. A ideia ganhou força nacional até que, em 1914,
o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, declarou o segundo domingo de maio
como o dia oficial para homenagear as mães.
O Brasil adotou a comemoração em 1932,
durante o governo de Getúlio Vargas, influenciado por associações
femininas católicas e também pela necessidade de criar datas simbólicas que
unissem o país. A data ganhou força no calendário civil e religioso, sendo
impulsionada posteriormente pela publicidade e pelo comércio — o que transformou
a celebração num dos períodos de maior consumo do ano.
Mas a verdade é que o
verdadeiro motivo para celebrar o Dia das Mães vai além das flores e presentes.
É uma oportunidade para pensar sobre o papel das mães, da maternidade e do
cuidado em nossa sociedade.
Maternidade: construção, não
destino
“Mãe é tudo igual, só muda de
endereço.” Quantas vezes ouvimos isso? Mas essa frase, aparentemente
inofensiva, mascara uma ideia perigosa: a de que ser mãe é algo natural,
instintivo, universal. A filósofa Simone de Beauvoir já nos alertava, em
O Segundo Sexo:
“Ninguém nasce mulher:
torna-se mulher.”
A maternidade, assim como a
feminilidade, é uma construção cultural. Não basta gerar — é preciso escolher
cuidar, assumir responsabilidades, transformar a presença em referência, o
amor em ação, a dor em resistência. Nem toda mulher quer ou pode ser mãe. Nem
toda mãe é carinhosa ou presente. E nem por isso o mundo deixa de girar.
Élisabeth Badinter, outra
pensadora fundamental, escreveu em O Mito do Amor Materno que a ideia de
maternidade como missão sagrada foi fabricada historicamente para reforçar
papéis de gênero. Ela lembra que, em séculos passados, era comum mulheres
nobres entregarem seus filhos a amas de leite, e que o amor materno
incondicional, como o conhecemos hoje, é uma invenção moderna — e muitas vezes uma
imposição social.
Cuidar é ensinar — e também
aprender
Se cuidar é pensar, como vimos na
raiz da palavra, então cuidar é um exercício intelectual, emocional e social.
Quem cuida observa, analisa, sente, antecipa riscos, percebe necessidades antes
que sejam ditas. É uma forma de inteligência sensível, muitas vezes invisível,
e por isso desvalorizada.
Mães ensinam os filhos a andar, a
falar, a pedir desculpas, ser gentil, a segurar um lápis, a tomar banho
sozinhos. Mas também ensinam a resistir, a ouvir, a sonhar. E, nesse
processo, aprendem junto. Uma mãe de primeira viagem descobre com o bebê o
que é ser mãe. Uma avó reaprende a maternar com menos pressa. Uma mãe solo
reinventa todos os papéis.
Essa troca, essa simbiose entre
quem cuida e quem é cuidado, talvez seja o mais belo gesto humano. Não se trata
de perfeição, nem de heroísmo. Mas de presença, de atenção, de pensamento
voltado ao outro.
Celebrar o quê, então?
Neste segundo domingo de maio,
celebre quem fez você pensar. Quem, com gestos pequenos ou grandes, ensinou
o que é cuidado, afeto, firmeza, presença.
Celebre:
E mais: celebre você, que
cuida. Porque ao cuidar do outro, você também se forma, se transforma e se
reencontra.
Pensar como ato de amor
Cuidar é mais do que alimentar ou
proteger. É pensar a existência do outro como parte da sua própria. É
uma forma de resistência em um mundo cada vez mais apressado, fragmentado,
automatizado, inseguro e inserto.
Neste Dia das Mães, que possamos
olhar para além do consumo, da obrigação ou da tradição. Que possamos pensar
sobre quem nos ensinou a pensar. E, com gratidão e consciência, transformar
esse aprendizado em ação.
Feliz Dia das Mães.
Feliz Dia de quem cuida.
Feliz Dia de quem pensa.