23/07/2025
Há momentos em que a vida, tal como vinha sendo vivida, simplesmente não se sustenta mais, ou porque algo dentro de nós se moveu e pede mudança ou porque alguma coisa fora mudou e nos convoca a fazer ajustes que não imaginávamos até então. Em ambos os casos, a necessidade de transformação pode surgir aos poucos ou chegar com força avassaladora.
O fato é que, por motivos internos
ou externos, inevitavelmente nossas vidas passam por momentos assim, em que já
não é seguro — ou possível — permanecer onde estamos. À nossa frente,
vislumbramos o desconhecido que precisará ser atravessado.
Coletivamente, isso também já
aconteceu inúmeras vezes na história. Quantos povos não precisaram se deslocar
no mundo? Travessias e migrações vivem em nós como memória ancestral e símbolo
universal, arquetípico.
Quem
atravessa jamais será a mesma pessoa que partiu.
Ora, diante do novo, muitas vezes
não sabemos que direção tomar nem o destino que nos aguarda. Ficamos
paralisados, sem saber como começar nem sustentar a travessia, tampouco o que
encontraremos pelo caminho.
Esse é um ponto crucial da
existência, onde basicamente duas possibilidades se apresentam: acolher o que
chegou e fazer as mudanças necessárias ou resistir. Em geral, vivemos um pouco
das duas coisas. Percebemos que o momento carrega uma força vital, como se a
alma dissesse: “vai, é hora”. Mas também sentimos medo, hesitação, apego à
condição anterior.
Mudanças profundas são ambíguas:
elas iluminam e desorganizam, ao mesmo tempo que libertam, assustam.
O
difícil não é perceber que algo precisa mudar. É aceitar que o momento de mudar
já chegou.
Mas, em algum ponto, a ambiguidade
também precisará ser atravessada, pois o que antes parecia nos sustentava rui,
e precisaremos fazer a nossa escolha. Então, pode ser que entendamos que é
preciso seguir, mesmo com medo. Ou trabalharemos incansavelmente para nos
esconder do que bateu à nossa porta, tentando remodelar a forma antiga vezes
sem fim.
Infelizmente, se insistimos em
resistir dessa maneira, a vida começa a adoecer ou mesmo a morrer. Isso pode se
manifestar como vazio crescente, perda de sentido, estagnação, apatia,
adoecimentos físicos, acidentes ou sintomas como angústia, desânimo e depressão.
Claro que mudar é desafiador. Nosso
sistema físico e psíquico trabalha continuamente para manter condições de
bem-estar e segurança já alcançadas. Mudar nos tira até mesmo de uma identidade
conhecida e nos lança num território onde nada está consolidado. Traz
insegurança, medo de fracassar, de se arrepender, de não sermos compreendidos.
Então,
o que levar e o que deixar: as condições para uma travessia
Em tempos de transição, somos
chamados a deixar ir crenças, posturas, padrões, vínculos, projetos — tudo pede
revisão, inclusive a visão que temos de nós mesmos, da vida, e de onde
construímos nossos apoios.
Os medos precisam ser encarados com
realismo: a vida, por natureza, é sem garantias. Aquilo que antes parecia
seguro também não era permanente. O risco envolvido na mudança não é mais
absurdo ou incerto do que aquele que já existia — apenas se tornou visível.
Tudo aquilo que evitamos a todo
custo — fracassar, nos arrepender, sermos julgadas(os), perder algum nível de
segurança — precisa ser encarado com maturidade. Nada disso tem o poder
definitivo de transformar nossas vidas. Mas nossas escolhas, sim.
Embora as condições antigas possam
ter sido importantes, também estavam atravessadas por compromissos
inconscientes, normas e expectativas que precisam ser revisitadas. Com o tempo,
percebemos que o que parecia perda é, na verdade, libertação de pesos desnecessários
ou de realidades que já haviam morrido em nós.
Numa travessia, o essencial é
carregar apenas o que sustenta e nutre. O resto é bagagem desnecessária — que,
se mal escolhida, apenas atrapalha e fere. Numa travessia concreta, quem leva o
que não foi escolhido com sabedoria se desgasta além do necessário, perde tempo
precioso, corre riscos, pode se ferir, exaurir-se ou nem chegar ao destino.
Nos processos internos, é o mesmo. É
preciso discernimento: o que segue adiante comigo? O que precisa ser
conquistado? Que caminho me cabe agora?
No mais, é começar. Nem sempre
saberemos exatamente para onde ir. Mas saber que não podemos mais ficar já é o
bastante para dar o primeiro passo.