23/10/2025
(da Série Contos do Despertar)
Naquela noite, ele acordou trêmulo,
suando e gritando, sentindo-se sufocado e com o coração disparado. Olhou em
torno e viu que tudo permanecia no lugar, sua coroa e seu trono, suas riquezas
e seu poder absoluto sobre o reino. Então, por que tanta angústia, desespero,
sofrimento e medo? Não fazia sentido. Entretanto...
Mandou chamar o Patriarca do Templo,
onde, ao lado da imagem de Deus, colocara sua própria imagem, pois era o senhor
da vida e da morte de milhares de súditos. E essa história de que havia algo
acima dele não passava de balela. Pura fantasia. Entretanto...
- Tive sonhos terríveis, contou ao
Patriarca, e preciso entender o que significam. Eu havia morrido e estava em
uma fila imensa, aguardando minha vez para passar pelo julgamento de uma
mulherzinha com uma pequena balança, onde ela colocava uma pluma em um dos
pratos e a alma do defunto no outro, e se a alma pesasse mais, ela não deixava
passar para o outro lado. Eu, o rei do mundo, em uma fila, dependendo da
autoridade de outra pessoa? Isso não existe nem pode existir, entretanto...
- Em outro sonho, continuou o rei, estava
à margem de um imenso rio esperando para ser transportado ao outro lado por um
velho barqueiro, que me pedia uma moeda de ouro em pagamento, para me deixar atravessar.
E eu, que tenho um palácio feito de pedras preciosas, não possuía nem uma
mísera moeda e estava condenado a esperar e esperar. É tudo uma brincadeira,
uma piada, eu deveria estar rindo despreocupadamente, entretanto...
O Patriarca, que havia escutado todo o relato em silêncio,
deu um longo suspiro e respondeu:
- Ó rei do mundo, olhe ao redor,
nascimentos e mortes acontecendo o tempo inteiro! Cada alma recebe um corpo
físico e um destino na vida e, quando morre, tudo o que viveu e possuiu
desaparece como se nunca tivesse existido. Para que serve esta vida? Existe
outra que não depende do corpo físico, cujo peso ou moeda de troca seja de uma
outra materialidade e qualidade? Essas são as melhores perguntas que todo ser
humano deveria fazer. Mas a maioria, infelizmente, vive apenas para comer,
beber, procriar e ter um pouco de prazer e diversão. E quando a vida chega ao
fim, tudo é enterrado, não sobra nada.
- Vossa Majestade, continuou, foi
agraciado com dois símbolos sagrados: a mulher é a deusa egípcia Maat e o
barqueiro é um personagem da mitologia grega. Ambos vieram despertá-lo para a
verdadeira realidade da vida e da morte.
- Se existe outra vida depois desta,
afirmou o rei, quero fazer contato com esse outro senhor e negociar minha
passagem com toda a segurança e conforto, pois sou o rei do mundo, mereço todo
respeito e consideração e tenho o direito de receber todas as honras e
benefícios. Cuide disso imediatamente ou mandarei trancafiá-lo na masmorra mais
fria e imunda do meu reino!
- Ó rei do mundo, pela primeira vez,
não tenho o poder de atendê-lo, respondeu o religioso. O Senhor de tudo e de
todas as coisas não é algo ou alguém com quem se possa negociar como os
vendedores nas feiras ou seus cobradores de impostos. Ele está no mais profundo
de seu coração e no mais alto de sua consciência.
E o Patriarca, algemado, foi
conduzido pelos guardas em direção à prisão até o dia em que seria libertado
por uma grande revolução popular.
No dia seguinte, para espanto de todo
o reino, o rei foi encontrado morto sentado em seu trono e com a coroa na
cabeça, segurando firmemente na mão esquerda uma moeda de ouro.
Carmem Carvalho
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