06/07/2020
Júnior voltou sozinho do enterro do pai e ficou do outro lado da rua, parado, na esquina, contemplando a velha padaria da família, pela primeira vez em tantos anos, fechada. Observou o prédio cinza tão velho e mal cuidado, o ar de decadência e abandono e então se lembrou do pai trabalhando todos os dias da madrugada até tarde da noite, sempre tão cansado e mal-humorado, reclamando do governo, dos funcionários, dos fornecedores e clientes. Ele só pensava em economizar, cortar, tirar, reduzir, piorar: o pãozinho era cada vez menor e mais caro, o leite misturado com água, café vagabundo, queijo azedo, manteiga rançosa, comida velha e ruim. Nunca percebeu que também podia oferecer mais, melhorar, ampliar, contribuir, enriquecer, presentear e que, talvez, esta mudança de hábito pudesse lhe trazer boa sorte.
Para sua surpresa, o pai deixara uma poupança razoável e um bom seguro de vida, além da casa em que morava e do prédio da padaria. Ele não fazia dívidas, então estava tudo pago, até o jazigo no cemitério, onde também descansavam sua avó e sua mãe.
No dia seguinte, Júnior colocou uma placa na porta da padaria: “fechada para reforma, sob nova direção!” Passara a noite planejando o investimento. Quando estivera em Lisboa visitando os tios, vira um novo tipo de comércio muito interessante: era um misto de mercado fino, confeitaria e lanchonete, tudo de primeira qualidade e por um bom preço, estacionamento de graça com manobrista. Ele estava em um bairro nobre, tinha de aproveitar o local e o momento, com algo realmente especial e inovador.
O novo negócio foi um estrondoso sucesso! Em cinco anos, Júnior ganhou o que seu pai não conseguira em 50 anos de trabalho duro.
Ao receber o prêmio máximo da Associação dos Mercados e Restaurantes, no discurso de agradecimento, ele homenageou seu pai, o português Manoel de Oliveira, por seu legado. A lembrança do pai, entretanto (sua luta diária até o ataque cardíaco fulminante), provocou-lhe um profundo estranhamento e comoção, teve uma visão reveladora da verdadeira condição humana na Terra. Desde então, nada mais fez sentido para ele: sucesso, dinheiro, poder, sexo, juventude, beleza. Tanto a vida de seu pai como a sua, na verdade, não passavam de sonho e ilusão.
Meses depois, Júnior vendeu o negócio para um importante grupo financeiro, investiu o lucro de maneira a garantir um futuro seguro para si e sua família (pois ajudava os tios e primos maternos, na Bahia, gente boa e humilde), e decidiu viajar pelo mundo à procura de algo que pudesse preencher seu coração e sua mente, dar um sentido real à sua vida.
Percorreu várias regiões do planeta, conheceu outras culturas e religiões e conversou com todo tipo de gente, até que um dia entre os dias, um misterioso conjunto de coincidências o levou até um pequeno ashram no Himalaia, na Índia, onde seu guru já o esperava. Ali viveu, por quinze maravilhosos anos, seu caminho espiritual em direção à Realização Divina: a iluminação, a libertação.
Seu diário foi publicado em muitas línguas e se tornou um best seller da literatura espiritual, inspirando e transformando a vida de jovens do mundo inteiro.
Carmem Carvalho e Marian Bleier